Ainda Hiroshima
Nunca ouvimos a voz dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki. Nos primeiros tempos porque eles não escreveram. Como no Holocausto, o que sobrou foi o silêncio aterrado, o repúdio das palavras. Nunca se fora tão baixo na nossa condição e não havia nomes para aquilo. Um conjunto de grandes escritores ocidentais escreveu depois sobre o Holocausto, e depois sobre o Gulag, os campos de reclusão e extermínio. Mas do oriente demorou a chegar. Ontem no El País (de novo on line como se lembrou na blogosfera) publica-se um registo de sobreviventes que só agora ganharam a coragem de contar. E um excelente artigo de Emílio Subyrats sobre o silêncio das palavras. Aí se recorda que os cientistas, militares e políticos que produziram a bomba, esses super assassinos do século 20, desconheciam os seus efeitos reais. E que as primeiras equipas médicas a chegar ao campo de morte não iam aliviar o indizível sofrimento, mas descrevê-lo. As imagens de fotografia aérea que possuímos daquela devastação, colhidas pelo exército americano, reflectem o mesmo interesse científico. Truman referiu-se àquele dia como um grande sucesso. Que um jornalista ocidental que se reclama do pensamento liberal, um entusiasta agora mitigado dos neo cons, tenha proposto o exercício intelectual de nos pormos na cabeça do broeiro que calhou substituir Roosevelt, e isso não tenha tido reacção visível neste país em decomposição, parece-me preocupante.
Paul Celan escreveu, ao longo de anos, um poema doloroso que João Barrento traduziu e explicou. Algures dizia assim:
Mãe, eles ficam calados.
Mãe eles consentem que
A ignomínia me difame.
Mãe, ninguém cala a boca aos assassinos.
Foto : Hiroshima, em 1952
Paul Celan, A Morte é uma flor, tradução, notas e posfácio de João Barrento para as Edições Cotovia, Lisboa 1998.
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