24 agosto 2008

Adeus Pequim, até Londres


Adeus Pequim, até Londres


Os Jogos Olímpicos acabam hoje. Um mega espectáculo bem organizado e simpático não fosse o caso de os ter visto em canais portugueses, com comentadores gagos, e o enviesamento obrigatório que nos faz preocupar com gente desconhecida como a Susana Feitor ou os gémeos da Maratona. Tivesse escolhido a Euro Sport e tudo teria corrido bem. Duas medalhas desportivas para um país como o nosso é mais do que seria de esperar, não andassem a insuflar o patriotismo com esperanças deslocadas da realidade. A China conseguiu os seus objectivos. O modo eficaz como organizou os Jogos e o espírito olímpico bastaram para calar os defensores dos direitos humanos e dos direitos nacionais do Tibete. Ficaram ao mesmo nível dos que contestam o desporto de alta competição. Uma coluna residual num jornal de referência em extinção.
A realidade dos Jogos apagou a realidade chinesa e até a realidade de Pequim. Os jornalistas mais interessantes que no início tentaram contextualizar, desapareceram. O povo queria circo e foi circo o que se lhe serviu. O circo era aliás tão imponente, global, envolvia tantos figurantes, que a desmistificação do circo era, à partida, um empreendimento quixotesco. Interromper o esforço e a graça dos atletas com comentários sobre a deslocação de milhares de chineses para a construção da nova Pequim, sobre as diferenças campo-cidade na nova China ou sobre os esquemas de treino da alta competição, os efeitos a curto e longo prazo na saúde dos atletas, seria deslocado e, para o comum dos espectadores, insuportável. Algo como uma homilia sobre os direitos dos animais na Praça de Touros, antes da corneta.
A cerimónia de abertura confirmou a China como uma grande potência normal . É escusado lembrar os Jogos Olímpicos de Berlim. Pequim sabia a lição. A coreografia imperial do século XXI é outra. As grandes massas em movimento falam da paz, libertam pombas, iludem a gravidade e caminham nos céus. E quem tem legitimidade para recordar o passado? Se o querem fazer lembrem-se do México de 1968, quando, dias antes da cerimónia inaugural, a polícia reprimiu uma manifestação, matando tantos que nunca foram contados.
O estádio de Herzog e de Meuron entusiasmou mas nunca se percebeu que a arquitectura fosse a multidão, e que, como os arquitectos afirmaram, as proporções pusessem em primeiro plano os espectadores.
Os arquitectos do bando do jet-lag, como os seus antecessores, cumpriram a encomenda do cliente: seduzir, impressionar e intimidar *. Para os milhões de espectadores de todo o mundo a China deixou de intimidar. O que vai acontecer nos próximos anos é, como sempre, imprevisível. Os Jogos Olimpicos fizeram ao povo chinês o que a Grande Guerra Patriótica fez aos povos da ex-União Soviética. Restituiu-lhe o orgulho e apaziguou-o com as lideranças.
O espectáculo vai continuar. Agora como comédia. A convocação do ex-futebolista David Beckham como ícone de Londres 2012 é significativa. Não se sabe ainda quem falará por Beckham mas a figura é impressionante: já não marca nem faz assistências, semeia em seu redor a anorexia, une o que há de pior entre os anglo-saxões.

*ver o extrordinário livro de Deyan Sudjic, The Edifice Complex, 2005

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