Encroada, procélica, altroante
Ela estava à minha frente folheando o portfolio enquanto falava com fluência. Supostamente de mim, da minha vida, de como eu errara nas opções fundamentais, fizera, metodológicamente bem, investigações que não mereciam ser iniciadas e desbaratara idéias "interessantes" por não saber escolher os "instrumentos de pesquisa adequados". Estava encurralado e obrigado a dar uma resposta que pelo menos refizesse a reputação que pensava ter nos restantes membros do júri. E que palavras me vinham ao espírito? Encroada, procélica, altroante. Como naqueles poemas fonéticos que o Jorge de Sena e os nossos surrealistas tardios praticaram com êxito tão duvidoso, estas palavras alinhavam-se à minha frente. À espera que lhes pegasse e lhes desse a sucessão lógica. Encroada, procélica, altroante. De onde vinham estas palavras? Desta mulher- como hálito, perfume, aura? Ou das tardes perdidas das minhas investigações medíocres? Encroada, procélica, altroante.
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