27 julho 2003

A poesia de agora e o senhor Jorge Reis-Sá

Jorge Reis-Sá assina no Mil Folhas um texto sobre "A Poesia de Agora" que, a crer na nota introdutória da redacção parece ser um episódio de um debate cujos termos anteriores me escaparam. O ponto de vista principal é de que, na poesia que se revelou nos anos 90, existem dois caminhos ( a que ele chama também gerações).
Um teria como figuras de proa Manuel de Freitas e Pedro Mexia e integraria poetas como Carlos Luís Bessa, José Miguel Silva, Ana Paula Inácio e Rui Pires Cabral. Responderia ao apelo de Joaquim Manuel Magalhães de regresso ao real e praticaria "um franciscanismo(...) de urinóis, shoppings e telemóveis..." Teria granjeado fama (subentende-se não totalmente merecida?) através do exercício paralelo da crítica literária por alguns dos seus elementos proeminentes. Outro grupo, mais discreto, englobaria valter hugo mãe, Melícias, Vasco Gato, Pedro Sena-Lino e praticaria uma "poesia imagética devedora de Herberto Helder, Cesariny e Luís Miguel Nava". Este grupo teria compreendido que o regresso ao real foi chão que deu uvas e teria voltado "ao sublime".
De fora ficam outros nomes, presume-se que mais ligados a esta "simplicidade" que "sente que o real já foi visto, sentido e revisto."E que não vou citar porque entre eles está um dos meus poetas favoritos.

Só queria dizer, aqui da cela, algumas coisas simples.
De Ana Paula Inácio já disse o que sentia. Sublime resposta aquele silencio bartlebyano a uma antologia que lhe pedia um texto inédito (se alguém souber onde, em que ilha dos Açores, está Ana Paula, A Natureza do Mal rejubilaria).
Pedro Mexia, o de Eliot- não estou a falar do Dicionário do Diabo, é um poeta da cidade quando fica deserta, da atenção às pequenas coisas que se passam aqui mesmo ao nosso lado, da alegria incompreensível das namoradas. Como Manuel de Freitas ele escreveu uma geografia fascinante de Lisboa. Cafés, tabernas, shoppings que se adivinham suburbanos, praças ao fim do dia. Freitas é aparentemente mais brutal, com as referências ao alcoól e a um comércio sexual aparentemente destituído de ternura . Mas enternece-se com o taberneiro ou a mulher de detrás do balcão, o sorriso desdentado de uma mulher que varre o passeio. São, cada um à sua maneira, dois grandes poetas deste tempo. Que leram Ruy Belo concerteza. E Cesário, Herberto Helder, Cesariny, sim. E que felizmente não cabem numa definição tão simplista.
Pôr poetas contra poetas, em torneio, parece-me feio.
O texto de Jorge Reis-Sá é mal escrito, redutor, inexacto, injusto. A poesia de agora merece outra coisa.

Hoje de tarde, por coincidência, tinha por companhia o livro de Manuel de Freitas editado pela Frenesi e intitulado Infernos Artificiais. 300 exemplares! Quantos leitores? Chamar a esta "geração" festejada", reconhecida na praça" parece-me uma maldade.
Por mim faço votos para que o Manuel de Freitas (agora editado pela mais respeitável Assírio) não abandone o seu lado maldito, não troque a taberna pelo Lux e tenha sempre à disposição aquele deus sublime, que pode ser o autoclismo com a sagrada louça sanitária.

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