Exposição (3)
Sou eu o homem que está sentado na cadeira, na sala de exposições cujas paredes revestidas de estantes lembram uma biblioteca. Tenho a cara pintada de branco. Não foi a mulher que amo quem me pintou. Mas ela assistiu, tolerante e divertida. Estou sentado e recebo livros que uma outra mulher retira das estantes e me traz, abertos numa página especial, com uma passagem sublinhada. Leio essas frases que são a história e a luz da minha vida. Algumas delas perdi-as num tempo sem ternura. Não compreendi ainda outras, inteiramente. Leio-as devagar, sem ênfase, em surdina, como se as lesse para mim. Alguns visitantes mais curiosos aproximam-se e ouvem algumas palavras que talvez façam sentido para as suas existências, que desconheço. Palavras, frases, capas de livros, nomes de autores. Demoram-se algum tempo, ou olham apenas com vaga curiosidade. Ou dizem uma frase que faz rir os companheiros e passam a outras salas onde decerto há acontecimentos mais excitantes. O candeeiro que ilumina os livros aquece-me a cara e faz-me cair a tinta, como lágrimas. Mas continuo. Esta foi a forma de corresponder ao convite do meu amigo, que organiza a exposição e à entrada da casa recebe os visitantes com o seu sorriso confiante.
De cada vez que me traz um livro, ou apenas se aproxima com as mãos com que perscrutou os espaços vazios das estantes, a mulher diz-me um nome, sempre diferente e sempre o mesmo, que suponho ser o seu. (...).
Quando tudo se aquieta à minha volta levanto os olhos para o espelho e vejo a minha cara. É a cara de J.Cardoso Pires perguntando e agora José? A cara de Enrique Vila-Matas, a cara de Richard Dawkins, a cara de Stendhal, a cara de Carlos de Oliveira, a cara de Borges, a cara de Rilke, a cara de Luiza Neto Jorge, Rubem Fonseca, David Lodge, Javier Marias, Jared Diamond, perguntando E agora?
Depois, pressentindo uma presença atrás de mim, volto-me, e vejo, alinhados, família, amigos, alguns desconhecidos, a mulher que amo e não me pintou a cara. Vejo a vossa cara de espanto e piedade e percebo que deve ser outra a verdade do espelho. Volto-me, e ao fazer esse movimento em que vos perco e não encontro ainda a luz do espelho atravessa-se nos meus olhos que se fecham a imagem desse que sou: Tongoy no Hotel Brighton de Valparaiso, o lacaio de Stendhal, o serviçal que acompanhou Rilke em Koenisberg, o médico de Borges, o moço de café que se demora nas mesas à procura de seres imaginários e cuja vida insignificante, naturalmente, não será lembrada.
De cada vez que me traz um livro, ou apenas se aproxima com as mãos com que perscrutou os espaços vazios das estantes, a mulher diz-me um nome, sempre diferente e sempre o mesmo, que suponho ser o seu. (...).
Quando tudo se aquieta à minha volta levanto os olhos para o espelho e vejo a minha cara. É a cara de J.Cardoso Pires perguntando e agora José? A cara de Enrique Vila-Matas, a cara de Richard Dawkins, a cara de Stendhal, a cara de Carlos de Oliveira, a cara de Borges, a cara de Rilke, a cara de Luiza Neto Jorge, Rubem Fonseca, David Lodge, Javier Marias, Jared Diamond, perguntando E agora?
Depois, pressentindo uma presença atrás de mim, volto-me, e vejo, alinhados, família, amigos, alguns desconhecidos, a mulher que amo e não me pintou a cara. Vejo a vossa cara de espanto e piedade e percebo que deve ser outra a verdade do espelho. Volto-me, e ao fazer esse movimento em que vos perco e não encontro ainda a luz do espelho atravessa-se nos meus olhos que se fecham a imagem desse que sou: Tongoy no Hotel Brighton de Valparaiso, o lacaio de Stendhal, o serviçal que acompanhou Rilke em Koenisberg, o médico de Borges, o moço de café que se demora nas mesas à procura de seres imaginários e cuja vida insignificante, naturalmente, não será lembrada.
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