Re: R.
Tenho saudades do tempo em que tinha saudades do meu primeiro
namorado. Agora, tudo em mim arde depressa e me deixa sem
fôlego e não sei sequer dizer como tudo aconteceu. Nenhum dos
meus diários sobreviveu - rasgadas e queimadas as folhas. De
resto, nunca precisei de outro registo de lágrimas que não o
dos meus olhos. Pouco passa das oito da manhã e escrevo isto
no autocarro que me leva a Lisboa. Forço a letra torta contra
as curvas e o pavimento irregular do asfalto. De manhã, o meu
ritmo é outro. Preciso de tempo para me resgatar ao sono, para
recuperar o que de mim resta da noite, em rituais de água bem
quente e cosméticos. Nunca saio de casa sem maquilhagem;
ninguém precisa de conhecer o meu verdadeiro rosto. Quando
sozinha no metro, raramente me sento, num misto de absurda
timidez e voyeurismo (de pé, é sabido, é mais ampla a visão
geral). Dizem-me que não tenho ar de intelectual e, na
verdade, não me importa intercalar versos com conversas sobre
cortes e colorações de cabelo. Não sou já capaz de grandes
incêndios, como vos disse. Há na minha vida um terramoto com
nome de homem e isso é tudo. Com o Inverno, acentua-se a má
circulação do sangue nos pés e nas mãos e arrefeço. Desconheço
o mundo e sempre me surpreendem os elogios. Irrita-me a
distinção entre o virtual e o real - problema meu, talvez, que
sempre misturo tudo. Pouco mais me resta a não ser dizer que
não gosto de me expor desta maneira, quanto mais não seja
porque, mesmo dizendo a verdade, sempre minto. Faço-o, no
entanto, porque, sei-o, se não fosse isto, estaria mais
sozinha.
R
namorado. Agora, tudo em mim arde depressa e me deixa sem
fôlego e não sei sequer dizer como tudo aconteceu. Nenhum dos
meus diários sobreviveu - rasgadas e queimadas as folhas. De
resto, nunca precisei de outro registo de lágrimas que não o
dos meus olhos. Pouco passa das oito da manhã e escrevo isto
no autocarro que me leva a Lisboa. Forço a letra torta contra
as curvas e o pavimento irregular do asfalto. De manhã, o meu
ritmo é outro. Preciso de tempo para me resgatar ao sono, para
recuperar o que de mim resta da noite, em rituais de água bem
quente e cosméticos. Nunca saio de casa sem maquilhagem;
ninguém precisa de conhecer o meu verdadeiro rosto. Quando
sozinha no metro, raramente me sento, num misto de absurda
timidez e voyeurismo (de pé, é sabido, é mais ampla a visão
geral). Dizem-me que não tenho ar de intelectual e, na
verdade, não me importa intercalar versos com conversas sobre
cortes e colorações de cabelo. Não sou já capaz de grandes
incêndios, como vos disse. Há na minha vida um terramoto com
nome de homem e isso é tudo. Com o Inverno, acentua-se a má
circulação do sangue nos pés e nas mãos e arrefeço. Desconheço
o mundo e sempre me surpreendem os elogios. Irrita-me a
distinção entre o virtual e o real - problema meu, talvez, que
sempre misturo tudo. Pouco mais me resta a não ser dizer que
não gosto de me expor desta maneira, quanto mais não seja
porque, mesmo dizendo a verdade, sempre minto. Faço-o, no
entanto, porque, sei-o, se não fosse isto, estaria mais
sozinha.
R
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