Não batam com os dedos no tampo das mesas, por favor
Não consegui acabar o que escrevi sobre a entrevista que António Lobo A ntunes deu a Alexandra Lucas Coelho porque dentro de mim não estava claro o que sentia, o que era ambíguo ou contraditório no que sentia. Ele fecha-se para escrever. As primeiras horas gasta-as, diz, em prosa de escriturário (prosa de puta há muito a não permite, embora seja de presumir que seduziu muitos de nós com livros de puta, como esse Cus de Judas, que vá-se lá saber porquê, continua a vender-se, em breve ne varietur. (A teoria do Mating Mind explicaria que as putas que escrevem - nós, leitor hipócrita - têm mercados diferenciados, e é sempre prosa de puta a que ele escreve). O objectivo é atingir o cansaço, e com ele o lugar onde a escrita se liberta, a natureza vence a cultura e se solta através de uma escrita irreprimível, que o escritor não vê, não controla. Outros chegaram aí pelas substancias que levam aos paraísos artificiais, pelo cansaço do corpo que as grandes caminhadas trazem, pela fronteira da razão. É desses lugares intermédios que escrevem. Um dia perceberemos - sem metafísica, quem escreve por nós e porque o faz. Talvez neste momento já haja gente em condições de o fazer. Gente da área das neurociências, da biologia, da psicologia evolucionista, da primatologia, da literatura por exemplo. Gente tão criativa como o escritor, o pintor, o músico. Gente simples, que trabalha contra a parede, com infinita modéstia, e que olha com perplexidade para os seus resultados, sabendo que terá de os cruzar com o de outros, numerosos, que noutros sítios, por outras formas, puseram questões semelhantes e estão a obter outros resultados. Isso não lhes confere nenhum estatuto de revelados. Sabem-no, quando afixam posters que não serão lidos, quando escrevem, pesando cada afirmação, um artigo que um conselho de leitura talvez recuse, fragmentos do nada que os ocupa. Esses não dirão nunca “estava tão seguro de tudo tão seguro tão seguro e ainda estou”. Não baterão com os dedos na mesa “pan pan pan pan”. Sobretudo isso, não batam com os dedos no tampo das mesas, por favor.
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