Pacheco Pereira: o canivete suíço
José Pacheco Pereira vive provavelmente o melhor momento da sua vida. Realizaram-se os seus ideais, não direi de juventude, mas de matura idade. O partido do qual é ideólogo destacado e quase solitário está no poder. O país que incarna o que de mais prodigioso a natureza humana conseguiu ao longo de um milhão de anos de atribulada história instalou no planeta um reinado duradouro. O povo de Portugal elegeu-o para a instituição democrática que simboliza o poder do continente Europa e ele é, aí, como gosta, a um tempo maioria e crítico dessa maioria. Aos domingos, sem a presença incómoda dessas carraças que o apoquentavam no Flashback (a despropósito, passa hoje o centésimo décimo quarto dia sobre o momento em que, solene, declarou que ia falar sobre o fim do Flashback) celebra uma liturgia através da qual o povo recorda, e finalmente organiza num todo coerente, os acontecimentos fragmentários da semana. Para públicos mais restritos e exigentes escreve crónicas nos jornais (residuais) de referência.
Invejo-lhe a bibioteca que, ao arrepio da reserva com que acertadamente proteje a sua vida mais privada, deixou fotografar parcialmente, em momentos de guarda descuidada. E, como disse a Zazie, ainda bem que ele está aqui, e é aqui o número um. É nesse local abrupto, que parcialmente se humaniza e houve até quem o visse a sorrir e a olhar para fora.
No passado domingo passei pela SIC. Ele explicava ao povo, com a ajuda de sofisticados meios audiovisuais, o sem sentido de uma frase menos feliz do senhor Manuel Monteiro, dessas que ele agora usa para posicionar o seu partido no brejo. Veio à baila a questão da democracia. A actriz que faz de discípula socrática questionou-o então sobre se não era a demagogia o cerne da política actual. Ele nem a deixou acabar a questão. Com aquele tique irritante de começar a dizer umnão categórico, com os olhos baixos, antes de perceber a pergunta, lançou-se imediatamente na resposta. Irónicamente, ao caracterizar o demagogo, ele estava impiedosamente a auto flagelar-se.
Talvez um dia Pacheco sossegue. Ouça as perguntas. Tenha dúvidas. E o seu magnífico cérebro não funcione como Cosmides e Tooby dizem que a mente humana adaptada o faz. O canivete suíço, com diferentes lâminas, cada uma programada para um propósito adaptativo.
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