16 janeiro 2004

Esclarecimento

"Não há amor por meios violentos. Nem serviço de amor. Apenas amor." "O amor deixa algumas pessoas cegas (quase)" ."És simplista, deve ser por ser homem." Escreveram na caixinha, e como me acontece com frequência surpreendente, concordei. (Também houve quem dissesse, mas foi há muito tempo, que não havia amor. Il n'y a que les gestes de l'amour. E nos gestos do amor não há violência.)
Aquilo que escrevi, ouvi no noticiário da hora do almoço. Com o simplismo que relatei. E espantei-me. Estava comigo um amigo, ainda no intervalo de idades abrangidas pelo inquérito. Também se espantou. Tanta violência, tanta vítima. O jornalista foi à rua. Perguntou a uns velhinhos pela violência. Eles não percebiam. Depois a umas jovens. Elas responderam com a firmeza e convicção que nos restituem essa crença (pelos vistos infundada) de que existe um mundo para lá do mundo dos congressos e das estatísticas. Nesse mundo há mulheres que dizem que nunca habitariam uma relação onde a violência pudesse estar presente. Como ameaça que fosse. Outro amigo, que vive no Canadá, comentou: Pode ser que seja verdade. Pode ser que caminhemos para aí. Sabes, quando quero saber para onde vamos olho para os Estados Unidos. Há lá mulheres a quem não podemos tocar. Sentem-se assediadas e queixam-se aos advogados e aos movimentos religiosos a quem devem obediência. Mas esta é uma perspectiva parcial, concordo. Não fui nunca objecto de violência sexual nem, ao contrário dos 80% dos homens das estatísticas, tenho fantasias de violação. A minha sexualidade foi sempre assustadoramente banal. Um dia que tenha tempo vou para a estrada.

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