10 fevereiro 2004

Dogville, de Lars von Trier

Trata-se de uma fábula, narrada em voz off (a voz de John Hurt como em Europa era a voz de Max von Sidow) num espaço cénico de palco teatral, dividida em capítulos com longos títulos irónicos. Apesar dos gangsters, da polícia, dos cartazes de “Procura-se”, da igreja como local de assembleia, da sequência de fotos final, Dogville não é uma fábula sobre a América. É, claramente, como diria Tom, uma belíssima ilustração de um ponto de vista sobre a condição humana. O ponto de vista de Lars von Trier. São todos repugnantes em Dogville: o médico na reforma que guarda o dinheiro no armário dos medicamentos, o cego que descreve as gradações da luz, o agricultor, o homem dos transportes de mercadorias, as crianças S&M, as mulheres tolas, perversas, feias, crédulas, com asma histérica e outra sintomatologia. Juntos vão conduzir Grace por um cortejo de humilhações até à escravatura. E é o engenheiro estúpido quem inventa o cabresto de tortura que a aprisiona, enquanto o médico lhe dirige palavras bondosas- não fosse ele o especialista nas más notícias. Mas o mais repugnante de todos os habitantes de Dogville é Tom, ora chamado de filósofo, ora de escritor.
No final Grace é libertada pelos gangsters e os habitantes de Dogville chacinados debaixo do aplauso do público, aliviado da tensão dos capítulos anteriores.
Não sem que antes, hesitando sobre o partido a tomar, Grace tivesse dito a frase fundamental do pensamento progressista: “ Esta gente faz o seu melhor em condições tremendamente difíceis. Quem sabe se eu não teria feito o mesmo que eles, se vivesse em Dogville.”
É este desencanto absoluto com a espécie humana que Lars von Trier nos conta, da maneira abjecta a que nos habituou.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial