16 março 2004

DE CÁ PARA LÁ

Ando de lá para cá, perdi-me a ouvir o cigano, o realejo calou-se e eu estou agora parado, mais indeciso que esta mulher que atravessa a praça a correr, agora para lá, há pouco para cá, desaparece pelas escadas, atalha, apressa um encontro ou foge, para não ser encontrada talvez.
Tenho fome, estou longe de casa, no primeiro andar do restaurante à esquina um vulto acena alegrias para felizes destinos, eternuridades que não distingo, sigo para o cais, sou vagamente das tascas, evito sempre as áreas de serviços. Sento-me num banco do jardim vazio, sento-me em Paris, no banco de jardim onde ajudei uma jovem que não conseguia compor uma mensagem. “Nunca fiques triste, eu poderia ter-te amado”, disse-lhe e era Verão, disseram-me a mim depois, repito-o agora sozinho, estremeço com o vento no canavial, com a corrida da mulher que não encontra ou não quer ser encontrada.
Estou com fome, preciso de voltar para o veleiro azul, o meu calendário desbotado, com reproduções de pinturas, que tenho pendurado na parede onde traço o tempo que passa e falta para dizer uma única frase; preciso de voltar, moro do lado de lá, num sótão com uma cave, onde ninguém acende as luzes, sou o último a tropeçar nos móveis (o meu cão vê bem no escuro).
Vim parar aqui por um engano, apanhei boleia junto ao vulcão, entrei, “Castelo Branco” disse, julgaram-me “de lá fora”, e alguma razão tinham, passámos sem parar, não disse nada, deixei-me ir, a mulher ao lado trazia um mal que reconheci, talvez fosse preciso ajuda. Por causa dessas palavras, e das que calei, estou agora no cais, deserto a esta hora, não há carreira para Castelo Branco, há baile no Amor da Pátria onde os carros estacionados não são de boleias, não tenho outra safa, vou gamar uma Zundap.

(pode continuar, em Paris, com eternuridades, de Zundap, sempre em Glória)

André Bonirre

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