SOU DE LÁ FORA
“.. depois o açor elevou-se mais alto, já ponto indistinguível”
A luz aconselha o regresso à estrada que larguei junto à casa do Museu do Vulcão dos Capelinhos. Uma seta sinaliza o trilho. Volteia a tracejado pela encosta arborizada num percurso aberto pelos caixeiros viajantes dos serviços de turismo. Vou mais rápido pelo sulco das águas, puxado pela gravidade, e já no último raio de luz piso o alcatrão. Da falésia chega-me uma canção, um canto, uma melodia, primeiro baixa e lânguida e depois aguda, chamamentos, presságios. Faróis intermitentes seguidos do motor trazem um automóvel, que recebo de polegar esticado a tentar a sorte.
Entro para o banco de trás, uma mulher magra ao volante sorri-me imprecisa. Ao lado outra mulher, uma mulher apanhada por um mal que reconheço, sussurra – “tem de haver uma certeza: se não de amar, pelo menos de não amar”. Mas eu sou pobre de certezas e também de incertezas destas, entreguei as pratas na tabacaria, solitário no veleiro azul, o meu cão e as brumas é o que me resta, e algum gin, liso, em noites de sorte. Não sei que dizer, a mulher magra diz-me com convicção que as palavras inúteis devem desaparecer. Concordo inexpressivo, sem perceber se é um sinal para que fale (afastei-me há demasiado tempo do mundo dos homens, trago em suspenso o mundo das palavras, o meu grito não é o grito do açor desde que saí, quase sem esperança, em busca da mulher a quem direi uma única frase). “Sim, sou de lá fora”, fui sempre, em cada sítio, em todos os sítios. Calo-me, por vezes cruzo vagamente o olhar no retrovisor, parámos mais de uma vez.
A mulher de cabelos pretos despede-se- despede-me. Elas caminham juntas com o passo natural de quem vai entrar sem notar o porteiro brutamontes que dobra reverente a espinha. Eu fico ainda a ver a praça, as árvores, o cintilar do mar e o cigano que toca realejo. Tropeço na hesitação de um homem de smoking. Terá outra sorte que eu, sigo para o cais (continua talvez)
André Bonirre
A luz aconselha o regresso à estrada que larguei junto à casa do Museu do Vulcão dos Capelinhos. Uma seta sinaliza o trilho. Volteia a tracejado pela encosta arborizada num percurso aberto pelos caixeiros viajantes dos serviços de turismo. Vou mais rápido pelo sulco das águas, puxado pela gravidade, e já no último raio de luz piso o alcatrão. Da falésia chega-me uma canção, um canto, uma melodia, primeiro baixa e lânguida e depois aguda, chamamentos, presságios. Faróis intermitentes seguidos do motor trazem um automóvel, que recebo de polegar esticado a tentar a sorte.
Entro para o banco de trás, uma mulher magra ao volante sorri-me imprecisa. Ao lado outra mulher, uma mulher apanhada por um mal que reconheço, sussurra – “tem de haver uma certeza: se não de amar, pelo menos de não amar”. Mas eu sou pobre de certezas e também de incertezas destas, entreguei as pratas na tabacaria, solitário no veleiro azul, o meu cão e as brumas é o que me resta, e algum gin, liso, em noites de sorte. Não sei que dizer, a mulher magra diz-me com convicção que as palavras inúteis devem desaparecer. Concordo inexpressivo, sem perceber se é um sinal para que fale (afastei-me há demasiado tempo do mundo dos homens, trago em suspenso o mundo das palavras, o meu grito não é o grito do açor desde que saí, quase sem esperança, em busca da mulher a quem direi uma única frase). “Sim, sou de lá fora”, fui sempre, em cada sítio, em todos os sítios. Calo-me, por vezes cruzo vagamente o olhar no retrovisor, parámos mais de uma vez.
A mulher de cabelos pretos despede-se- despede-me. Elas caminham juntas com o passo natural de quem vai entrar sem notar o porteiro brutamontes que dobra reverente a espinha. Eu fico ainda a ver a praça, as árvores, o cintilar do mar e o cigano que toca realejo. Tropeço na hesitação de um homem de smoking. Terá outra sorte que eu, sigo para o cais (continua talvez)
André Bonirre
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