29 abril 2004

8. Jardins, diz

O jardim botânico ficava no meu percurso diário, era por assim dizer um atalho, o caminho mais curto mas que se fazia mais demorado. Era bom sentir o ar fresco, pisar as folhas contra o chão de areia, ouvir os pássaros, os namorados em afectos vestidos, o vento que não se sentia nem ouvia mas que deixava ficar um restolhar longínquo nas folhas altas nas copas. Lia sempre as tabuletas com os nomes das árvores eucalyptus àbarda, lourus portucae,pinea parlamentus europea,cravus marron, achava que me queriam dizer alguma coisa mas esquecia os nomes logo a seguir. Parava para escutar o som abafado e refrescante da cascata. No laguinho intermédio esperar pela correspondência entre um som e um par esbugalhado de olhos de rã escondida entre os nenúfares (*).

Vez por outra penetrar na estufa, o ar húmido e quente peganhento na pele, saturado de cheiros e de pólen, irrespirável. Invejar o jardineiro, desejar sugar-lhe a vida inteira como um vampiro e incorporá-la no meu peito. Para mim está ali toda a existência, estou pronto para morrer. Virar costas e vir embora, subir o último lanço de escadas, até logo no caminho de volta, depois das tarefas rotineiras.

(*) Também vi quando os muros foram limpos um dia, depois iluminaram os troncos nus das árvores através da escuridão da noite —ficou lindo—, os esquilos vieram anos mais tarde. Agora nos muros brancos e iluminados fecharam as três portas, só uma abre se deres a dizima —uma moeda cunhada pela europae— o jardim já não é atalho de passagem, é lugar de visitamento, e nada disto tinha de existir.

PC

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