09 maio 2004

14. JARDINS, DIZ O LAGARTO

O lagarto sai do Hotel Nacional e caminha lentamente até à Praça Élian.
Faz várias tentativas para chegar ao outro passeio do Malecón mas parece que tudo o que é poluidor se fez hoje à estrada. Não arrisca atravessar, começa a ficar velho para estas emoções automobilísticas.
Está mal disposto. Os mojitos que bebeu no hotel com os investidores espanhóis andam-lhe às voltas no estômago e o calor, a esta hora do dia, é insuportável, mesmo para um lagarto. Relembra os velhos tempos do Victoria, ao menos ali, podia optar sem dramas pelos melhores daiquiris do mundo, seus preferidos, sem pôr em causa o interesse revolucionário.
Gosta de Havana, é verdade, sobretudo desta parte de Havana, o Vedado, mais longe dos magotes de turistas e a dois passos da Coppelia. Mas já são muitos anos de luta e ainda mais com aquela crescente sensação de que os seus dias estão a chegar ao fim (a última vez que esteve com Fidel ele confessou-lhe algo semelhante).
Talvez por isso considere seriamente a hipótese de voltar a casa. Há quanto tempo não se espreguiça nos jardins de Cienfuegos? Ouviu falar de um parque natural a meio caminho da sua cidade, em Matanzas. O homem que está à frente daquilo é um seu velho conhecido, ex-militar, biólogo de renome, que noutros tempos andou por Angola. Lembra-se perfeitamente de ter apreendido com ele umas palavras em português, mas apenas uma lhe vem agora à memória: saudade. Na altura pareceu-lhe um conceito de difícil digestão, especialmente para um lagarto, mas está convencido de que é o que agora sente.
Amanhã vai falar com o camarada responsável e dizer-lhe que já não tem estômago para tanta bebida.
Amanhã mesmo, não passa de amanhã..

//sent by Carla de Elsinore

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