12 junho 2004

The descent of man

Ele tinha preparado esta viagem embora nunca tivesse imaginado que a ia fazer sozinho. Mas com os preparativos quase feitos António disse-lhe que estava apaixonado pela engenheira agrónoma , que era a oportunidade da sua vida, essas coisas. Viajou sozinho para Lima. A ideia era aproveitar a sabática e passar uns meses nas Galápagos. Levava uma mochila com alguma roupa, um saco de toilette, a Voyage of the Beagle e The Descent of Man em edição paperback. A viagem para Quito demorou um dia. Nesse dia uma poderosa transformação começou a operar-se nele. Como estava sozinho não falava. Mas aquilo que pensava, uma confusão de pensamentos sem conexão, surgia em castelhano. Não percebia muitas palavras ou não estava familiarizado com elas e tinha de as repetir tentando frenar a corrente de consciência. Acontecia que tudo fazia sentido, como nos sonhos. E ele não dormia, agarrado à mochila, atento aos cestos de roupa, aos animais, às àrvores também elas desconhecidas, às cores das mantas das mulheres e à decifração dos rostos dos homens. À chegada a Quito a cidade pareceu-lhe familiar. Levava a direcção de um tal Café Cultura, onde, tinham-lhe dito, se podia dormir por dez dólares. Mas nem o procurou. Numa agência de viagens confirmou que nas Ilhas Galápagos a estação era da garua. Viu o preço do voo. Comprou o Traveller’s guide de Barry Boyce. Mas já no balcão parou e não marcou o voo. Ao falar com o agente de viagens apercebeu-se que o seu castelhano era fluente, mas não era a língua de Quevedo. Num momento em que hesitou à procura de uma palavra saiu-lhe uma frase esquisita. O agente de viagens sorriu-lhe e disse: “A falar assim quechua não vai ter dificuldades em Quito”. Saiu para a rua. Estava muito calor mas não tinha sede nem suava. Andando ao acaso viu um homem que vendia bilhetes para uma viagem de buseta de Alausi para Guayaquil. Não sabia a localização precisa dessas localidades, nem a duração da viagem. Comprou um bilhete. Perguntou ao homem se sabia inglês. Que não, só umas palavras. Mas o filho sim, até queria estudar numa faculdade. Deu-lhe The Voyage of the Beagle e com The Descent of Man na mão hesitou, mas nunca tinha viajado sem livros e qualquer coisa do seu passado lhe reteve a generosidade.

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