A soldado Karla, de Helsingfor
Eu estava paralisado pela perspectiva de ter de me sentar à janela. A passageira do lugar do corredor agradeceu a troca. Trazia uma mala que por estultícia quis ajudar a pôr na bagageira. Quando o fiz toquei-lhe no braço e era bem musculado. Antes da descolagem já escrevia. Preenchia o que me pareciam ser postais e que depois, quando ganhei coragem e posição para olhar, percebi serem fotografias. Escrevia rapidamente, de um só fôlego, ou devo dizer, de um só soluço. Porque ela chorava enquanto escrevia. Soluçava, fungava, fazia ruídos para engolir as lágrimas, e escrevia sem parar, sem reler. Por vezes suspendia a escrita para olhar as fotografias e voltar ao choro. Grande inspirador é o sofrimento. Porque ela escrevia sempre. Copiosamente. O lugar entre nós ficara vago e eu aventurava-me agora a encará-la. Tinha cabelos escuros, revoltos, umas calças de riscas verticais cinzentas, uma camisola cintada com uma abertura lateral gótica. O que se via da cara era agradável. Pus no banco, sem a olhar, um maço de Kleenex. Ela pegou-lhes e agradeceu. E depois contou-me a sua história que não posso transcrever por motivos fáceis de adivinhar. Direi apenas que ela é soldado de um país aliado e, na semana de férias que acabara, tinha conhecido um rapaz de um país inimigo. Ter acabado, como devia, com essa paixão anti-regulamentar, não lhe seria tomado como atenuante. Menos ainda chorar num avião, escrever, fazer confidências a um homem obscuro que acabou de conhecer.
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