Um discreto estremecimento de asas
De manhã, quando abri a janela de uma casa perto do Príncipe Real e perscrutei os céus, os preságios eram todos equívocos. Excepto um. Mas tão discreto, tão insignificante que não me apercebi logo da sua existência. Do pátio das traseiras vinha um ruído. O pátio estava abandonado há alguns anos. Agora parece que recuperaram a casa. Era de lá que vinha o ruído que depois percebi ser o de uma bola a ser chutada com algum vigor. Tinham levantado uma sebe e construído uma baliza. Uma menina, equipada a rigor, chutava contra a baliza. Concentrada. Insistente. De vez em quando dizia algumas palavras em surdina. Eu percebi pela cara dela que se estava ali a travar um grande embate. Ela ora era um avançado espanhol, e o rosto alongava-se, a boca era só um traço de esforço desesperado. Ora era o Cristiano Ronaldo, e as pernas faziam um bailado acrobático antes de rematar. Abri a janela, esperei que ela levantasse o olhar e perguntei-lhe quem ia ganhar.
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