16 julho 2004

Apaixonado

Tenho passado os serões na varanda ou no jardim em frente a casa. Daqui vejo o movimento dos grupos que vão e vêm para a diversão da noite. Acho piada que aqui do cimo parecem-se mesmo com as formigas da montanha, a forma como se repisam as pegadas, e como param brevemente para trocar impressões, contactos e cheiros. Já não sei quando nem porquê comecei a reparar na Rosete. Identifico já os seus rituais habituais, a forma como se veste à noite de modo mais ousado, quase metálico. A graça com que se move e a segurança com que fala com  todos. O oposto de mim, que só a custo me equilibro com uma pata no ar e quando ando se faço rir é por piada e não por graça. Pois é, estou a ficar apaixonado, isto é, acho eu. Todas as imponderabilidades da vida  me têm acontecido, ainda há pouco me ocorreu envelhecer, e agora isto. Temos um grande ouvido, faz parte da nossa natureza, e bem ouço os  risos de escárnio, espanto ou mesmo nojo, e logo pela Rosete, dizem em voz baixa. Mas ela é o meu par espantoso, isto é, acho eu. Às vezes passa aqui mais perto, saudamo-nos e mantemos conversas curtas e de circunstância, sempre tão agradáveis, sabem. Meia hora, meia hora era o que eu precisava para criar qualquer proximidade que abra os nossos segredos. Mas não, meia hora e eu a falar do buraco do ozono, faltam-me as tuas palavras, tu que me corriges as vírgulas, me dás as deixas e as imagens. Meia hora bastava, isto é, acho eu.

Jammes (sussurra apenas Jáme).

PC

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial