16 julho 2004

A lagarta

Nesse mesmo dia fiz os exames que o homem achou convenientes e saí do consultório com a borboleta e a lagarta, esta já em segundo plano. Na rua senti que olhavam para mim com curiosidade. Quando levava a mão ao olho lá estava, a asa da borboleta  numa agonia. Assim exibindo a minha condição de espasmofílica regressei a casa e ao trabalho.É agora altura de lhe falar no senhor Adalberto. Foi meu marido e é meu patrão. Mantém-se afastado do escritório. Mas é ele quem conhece os mercados e as tendências. Por vezes está na China onde agora tem a fábrica. Fechámos em Constança e deslocalizámo-nos para o sul da China por causa dos custos da mão-de-obra. Vivemos dois anos relativamente bem até ele se convencer que um cliente me dedicava uma simpatia excessiva e de o ter metido na mala do carro e deixado à porta da casa dos meus pais, muito maltratado. Separámo-nos.  Não podia aceitar aquilo nem voltar a olhar os meus pais de frente. Mas nessa altura já dominava o sector de vendas e ele pediu-me para continuar no escritório. Ele é um homem bom para mim e eu acedi, contra a opinião da minha amiga e da minha família. O senhor Adalberto passou a marcar-me à zona. Tornou-se numa espécie de protector. Os rapazes que se interessam por mim desaparecem misteriosamente. É geralmente o meu rosto quem lhe anuncia a minha vida sentimental. Uma ruga na testa, e ele: Quem é? Se lhe digo o nome do rapaz que me alvoroça o coração nunca mais o torno a ver. Uma cor mais desmaiada e logo: Precisa de alguma coisa Cilinha? Se me queixo, lá fico sozinha por uma temporada. Habituei-me a isto e aos espaços de liberdade que as ausências me propiciam. Ao pé da sombra sazonal dele a companhia da lagarta é quase uma bênção.Acompanhe-me só mais uns minutos e verá que faz sentido o que lhe conto e que o faço no seu interesse, sobretudo. Ora não lhe disse que o último médico que consultei,  me disse haver cura para o espasmo do olho. Ele próprio infiltra na pálpebra uma substancia que a paralisa, impedindo assim o tremor. Assim foi que no princípio da semana compareci na Clínica para o tratamento. Alguma coisa deve ter corrido mal, ou é mesmo assim e só nos apercebemos tarde de mais. Saí de lá com o olho negro e a metade direita da face paralisada. Comprei uns óculos enormes. Se me rio o canto da boca permanece caído. Quando me viu  perguntou-me : quem te pôs nesse estado. A voz tremia-lhe de raiva e indignação. E nessa altura, nem sei bem porquê, disse-lhe o seu nome. Não sabia nada de si. Ignorava as suas proezas semi-literárias, o que escreveu de mim e da lagarta. Saiu-me o seu nome e foi o seu nome que ele fixou. Espero que entenda uma situação que eu própria não sei explicar. Não se esqueça. O nome dele é Adalberto. Tem uma carrinha Mercedes beige e às vezes anuncia-se com o nome de família. 
 
set by mail//Cilinha

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