12 julho 2004

A linha editorial


Há dias assim. E noites. O rio subiu imperceptivelmente e agora inunda as planícies. O miúdo cresceu e tem que cortar o bigode, esse carimbo iniludível da testosterona em pleno beiço. Como é que foi possível não termos dado conta. E outra vez as palavras da Yourcenar, agora já sem dor, ou talvez a dor seja sempre esta memória de uma dor maior: muito cedo na vida é tarde de mais. Mas já não é muito cedo, e agora são as palavras do último Coetzee: Está quase.
Há dias em que uma luz crua ilumina as coisas. Sabemos o nome antigo das coisas. Outros, noutro lado, intensamente, chamam as coisas por outro nome. E mais uma vez não demos conta. A luz crua ilumina também a merda que és.
Declaração
Assim, ao longo dos tempos, insensivelmente, alterei a linha editorial d A Natureza do Mal. Preocupei-me com a agenda. Com as relevâncias. Não quis chegar atrasado. Adorei heróis que iam morrer. Incorrigível, pendurei retratos.
A Sofia foi ficando cada vez mais deslocada, sem saber o que fazer num blog de actualidades mundanas. O André ficou-se pelos Açores. Mas nos Açores, sabemos desde ontem, resta-nos no prato a metade fria que por hábito cozinhámos. O PC já só de burrico.
Peço-lhes desculpa. Faz parte da natureza do mal não poder manter por muito tempo os disfarces. Esta era a minha semi-vida. Ficarei a olhar os campos inundados, atento ao rapaz já crescido e a como ele nomeia as coisas mais pequenas. Talvez assim recupere a nossa linha editorial.

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