08 novembro 2004

Coincidência

Acho que devo contar o que se passou entre mim e I. Hoje, 8 de Novembro de 2004, a probabilidade de I. ler este blog é mínima. Aliás é mínima a probalidade de acontecer algo na vida de I., hoje. Conheci-a numa cidade do sul da Alemanha, com uma ferida no centro para lembrar uma noite de braseiro. I. era muito nova mas trazia consigo a memória da cidade. Tinha um conjunto de pequenos pontos entre as sobrancelhas, tão ordenado como uma tatuagem ou uma cosmética hindu. Disse-me que era uma sinal de nascimento e passei sempre a ver o seu belo rosto com o símbolo da devastação que atingira a sua cidade. Deve ter tido piedade do meu olhar de emigrante sem casa e aproximou-se de mim. Falava-lhe num alemão infantil e tinha que estar muito atento ao que ela dizia, como no Gabinete de Estrangeiros onde ia todos os meses, ou no Instituto de Cálculos e Medições onde era bolseiro. Correu tão bem o nosso primeiro encontro que me espantei que ela não quisesse prolongá-lo. Mas ignorava tudo dela e presumi que tivesse afazeres inadiáveis. De facto, percebi mais tarde, aquele dia em que nos encontrámos na Praça V., era o dia 10 de janeiro do primeiro ano deste século, capicua perfeita. I. tinha muito medo desses dias, dito de modo mais directo, de se apaixonar em dias desses, por homens que não a mereciam, como era claramente o meu caso. Uns dias depois, numa data desprestigiada da sua tabela, beijou-me e foi surpreendente. Encontrávamo-nos, em semi clandestinidade, no apartamento de uma tia onde ela tinha um estúdio. Um dia a senhora voltou mais cedo do que prevíramos e ela ficou imóvel na cama. Como me espantasse, revelou-me que só se levantava às 5:15h, e faltavam três minutos. Quando ela percebeu o meu mau carácter quis despachar-me. Mas não era capaz. Até que uma manhã, recebi um telefonema no Instituto, o que era contra os regulamentos e só podia acontecer por motivos excepcionais. Era ela. Disse-me que era a última vez que me falava. Tinha um calendário em frente. Era o fatídico dia 20 de fevereiro de 2002. Olhei para o relógio: dez horas e um minuto. Tentei argumentar alguns segundos mas ela desligou e eu sabia que a minha condenação era já sem recurso.

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