28 novembro 2004

Fernando Valle

Iam a caminho da Margaraça e cruzaram com ele em Coja, logo depois da ponte, às nove da manhã. Foram cumprimentá-lo. Ele trocou algumas palavras com eles, inteirou-se do passeio, pediu desculpa por não poder acompanhar e convidou para um chá, em sua casa, se chegássem a horas. Todos os homens morrem e aqueles caminhantes não haviam de chegar a horas. Mas, desobedecendo à prescrição que lhe proíbe mexer no desvão da memória, quer um deles lembrar-se desta história. Era um ano muito antigo do século passado. Alguns meses depois haveria milhões de pessoas nas ruas a celebrar a liberdade. Mas daquele Inverno, só se lembra do frio, do silêncio, da escuridão e do tempo que demorava chegar a Arganil. Havia alguns amigos generosos, uma rapariga cheia de coragem e Leo Férré na rádio a cantar Beaudelaire, que neste país sempre a poesia encontrou frinchas entre a crosta pesada da boçalidade. No Teatro, em Arganil, era quase tudo estudantada vinda de Coimbra, gente sem experiência nem credibilidade. A Pide a mostrar-se. E ele, o dr. Fernando Valle, à espera, calmo, reservado, protector, a sentar-se no palco, a ouvir com atenção. O medo tinha quase tudo nesse ano, mas aquele avô já tinha visto a democracia e dizia que outro país era possível.

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