Período expulsivo
Houve um dia em que dei conta que ele deixara de me tocar. Nem eu gostava da mulher em que me tornara. Inchada, tudo em mim estava lento e sem graça. Quando me deitava tinha de estar de lado, na cama. O lado dele era sempre o outro.
Se assim me transformara era normal que ele me tivesse perdido. Ou se sentisse desiludido na minha metamorfose.
Tentei pensar nas fantasias dele, nos horrores dos sótãos masculinos. Será que via a mãezinha. Ou alguma coisa ancestral lhe segredava que o filho podia não ser dele. Ou tinha ciúmes do menino. Ou regressava nele o próprio pai abandonador.
Não tinha ninguém a quem falar deste desamparo. Não era tempo de denunciar o meu insucesso. Não sabia o que me estava a acontecer, mas algo me segredava que era coisa séria. Desagradava-me confessar que estava ali, encharcada em progesterona, com um puto a crescer-me por dentro, e eu, sozinha naquela história.
O fim da gravidez veio depressa. Estive no parto como nos últimos meses. Também não precisava de ninguém. Só tinha de ter confiança naquela gente que ensinava a respirar, fazer força ou estar quieta.
Quando o bebé já mamara e adormecera, entrou ele. Levantou os lençóis para lhe descobrir a cara, não lhe tocou, deve ter sorrido. Eu estava ao lado, estupidamente à espera. De expulsar outra vez os restos, da ressurreição, dos lábios dele. Era outra vez eu. Com o miúdo ao lado, ainda inchada, a pele escurecida, as mamas da Britney Spears, mas eu. E aí tive a certeza de que aquele cabrão já não gostava de mim, não acordaria ao choro do miúdo, não o veria crescer, não o levaria à escola. Quando ele saiu chorei, de raiva, medo de ser toda a vida atormentada por uma cara que se lhe parecesse e finalmente de alívio pelo fim de um martírio.
Se assim me transformara era normal que ele me tivesse perdido. Ou se sentisse desiludido na minha metamorfose.
Tentei pensar nas fantasias dele, nos horrores dos sótãos masculinos. Será que via a mãezinha. Ou alguma coisa ancestral lhe segredava que o filho podia não ser dele. Ou tinha ciúmes do menino. Ou regressava nele o próprio pai abandonador.
Não tinha ninguém a quem falar deste desamparo. Não era tempo de denunciar o meu insucesso. Não sabia o que me estava a acontecer, mas algo me segredava que era coisa séria. Desagradava-me confessar que estava ali, encharcada em progesterona, com um puto a crescer-me por dentro, e eu, sozinha naquela história.
O fim da gravidez veio depressa. Estive no parto como nos últimos meses. Também não precisava de ninguém. Só tinha de ter confiança naquela gente que ensinava a respirar, fazer força ou estar quieta.
Quando o bebé já mamara e adormecera, entrou ele. Levantou os lençóis para lhe descobrir a cara, não lhe tocou, deve ter sorrido. Eu estava ao lado, estupidamente à espera. De expulsar outra vez os restos, da ressurreição, dos lábios dele. Era outra vez eu. Com o miúdo ao lado, ainda inchada, a pele escurecida, as mamas da Britney Spears, mas eu. E aí tive a certeza de que aquele cabrão já não gostava de mim, não acordaria ao choro do miúdo, não o veria crescer, não o levaria à escola. Quando ele saiu chorei, de raiva, medo de ser toda a vida atormentada por uma cara que se lhe parecesse e finalmente de alívio pelo fim de um martírio.
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