Sábado
Ao longo da semana os caminhantes foram-se um a uma desmobilizando, até restarem três, nenhum deles me reconhecendo capacidade de liderança, sentido de orientação e outras qualidades que os fracos pensam necessárias à sobrevivência nas serras. Acordei assim para a cidade num dia que era todo outono, céu cinzento e da Lousã vinham apelos obscenos. Hei-de acabar a caminhar sozinho como o Walser. (Nunca nenhum caminhante solitário se perdeu porque quem caminha sozinho caminha sem destino.) Depois comecei a comprar coisas: os jornais de sábado, livros, roupa. E sentia-me como a avó de Frederico Lourenço: Este fato é para a ópera, no São Carlos. Este casaco para os concertos rock, quando emagrecer. E comprei pulseiras de âmbar e de couro e turmalinas, rubis e safiras com estrelas de seis pontas no interior, mochos de coral, ossos de dinossauro especialmente vindos da China, rosas de espuma, malaquite e lapis lazuli. Comprei tudo ao preço afixado, sem discutir . Encontrei mulheres já com os pesados agasalhos de Inverno e falaram-me de tintas, óleos, crianças mal tratadas e do trabalho que tinham a correr. E todas me pareceram lindas de morrer, com aquele ar intimo que as mulheres têm ao sábado e que felizmente ignoram. Todas me tratavam de um modo digamos, fraternal, de onde toda a sexualidade parecia arredada e no fim beijavam-me ao de leve e eu pensava: é assim que beijam os filhos quando lhes apagam a luz do quarto, embora nem todas tenham filhos e algumas, como a minha mãe, já não lhes apaguem a luz. Tentei reagir e fui à loja de vinhos e comprei um Porto vintage e vinhos a preços absurdos. Mas não me senti diferente. Eu tinha acordado assim:
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