Um dia amaldiçoaram o Natal diante de mim
Diante de mim, seja em que recanto for, ninguém amaldiçoará o Natal
Textos como o que o Bénard da Costa assinou no dia de ontem, evocações do natal no tempo das criadas impecavelmente fardadas, de crista e luvas brancas, dos lares aconchegados da Vila da Feira de outrora, causam-me alguma incomodidade.
Já não há pachorra para a ladainha de que o melhor do mundo são as crianças, para os especialistas a explicar que a crença no Pai Natal é saudável e estruturante. Vêm agora- sem um filme que lhes valha, as recordações do tempo em que era o Menino Jesus quem descia a chaminé. Mas eu gosto do Bénard da Costa e dos olhos ingénuos com que olha a câmara do Manuel de Oliveira e estive a tarde toda sem perceber a raiz do meu mal estar.
Agora, ao fim do dia, lembrei-me dela e vou contar isto depressa para não estragar o vosso sossego.
Foi num tempo quase tão distante como os que Bénard da Costa recorda. Era o dia da consoada, e nessa tarde, devia chegar a nova empregada. (Em casa dos meus pais dizia-se empregada, ou empregada interna. Em casa dos meus avós diziam criada.) Nesse dia, a chegada de uma empregada nova devia ser um acontecimento excitante, para a minha irmã e para mim. Mas não escapámos à sesta. Se queríamos estar acordados até tarde, na noite de Consoada , devíamos dormir a sesta. Nós obedecíamos, secretamente esperançados em acordar rapidamente, para não perder os preparativos da ceia, nem a chegada da criada. Por um motivo que não recordo aquela sesta foi muito prolongada. Quando acordámos a casa estava silenciosa e a nossa mãe preocupada. De um quarto interior, dos lados da cozinha, vinha um murmúrio estranho. Proibiram-nos suavemente de investigar a sua origem. Mas com a aproximação da noite foi impossível continuar a esconder a realidade. A nova empregada não parava de chorar. Tinha saudades da terra, da família, do seu natal. Enquanto o meu pai não chegava para dar ao caso uma solução, naquela casa, num quarto que não era o dela, ao olhar atónito de duas crianças, a empregada nova, uma criança afinal, talvez pouco mais velha do que nós, amaldiçoava, do seu recanto, o Natal.
Textos como o que o Bénard da Costa assinou no dia de ontem, evocações do natal no tempo das criadas impecavelmente fardadas, de crista e luvas brancas, dos lares aconchegados da Vila da Feira de outrora, causam-me alguma incomodidade.
Já não há pachorra para a ladainha de que o melhor do mundo são as crianças, para os especialistas a explicar que a crença no Pai Natal é saudável e estruturante. Vêm agora- sem um filme que lhes valha, as recordações do tempo em que era o Menino Jesus quem descia a chaminé. Mas eu gosto do Bénard da Costa e dos olhos ingénuos com que olha a câmara do Manuel de Oliveira e estive a tarde toda sem perceber a raiz do meu mal estar.
Agora, ao fim do dia, lembrei-me dela e vou contar isto depressa para não estragar o vosso sossego.
Foi num tempo quase tão distante como os que Bénard da Costa recorda. Era o dia da consoada, e nessa tarde, devia chegar a nova empregada. (Em casa dos meus pais dizia-se empregada, ou empregada interna. Em casa dos meus avós diziam criada.) Nesse dia, a chegada de uma empregada nova devia ser um acontecimento excitante, para a minha irmã e para mim. Mas não escapámos à sesta. Se queríamos estar acordados até tarde, na noite de Consoada , devíamos dormir a sesta. Nós obedecíamos, secretamente esperançados em acordar rapidamente, para não perder os preparativos da ceia, nem a chegada da criada. Por um motivo que não recordo aquela sesta foi muito prolongada. Quando acordámos a casa estava silenciosa e a nossa mãe preocupada. De um quarto interior, dos lados da cozinha, vinha um murmúrio estranho. Proibiram-nos suavemente de investigar a sua origem. Mas com a aproximação da noite foi impossível continuar a esconder a realidade. A nova empregada não parava de chorar. Tinha saudades da terra, da família, do seu natal. Enquanto o meu pai não chegava para dar ao caso uma solução, naquela casa, num quarto que não era o dela, ao olhar atónito de duas crianças, a empregada nova, uma criança afinal, talvez pouco mais velha do que nós, amaldiçoava, do seu recanto, o Natal.
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