Apelo do Parlamento Internacional de Escritores
Nós e o Parlamento Internacional de Escritores
com Florence Aubenas e Hussein al-Saâdi
«Anda, vai onde não podes; vê onde não vês
Escuta onde nada murmura nem ressoa,
assim estás tu onde Deus fala»
escreveu Silesius apelando-nos ao impossível. E também no dizer do filósofo francês Jacques Derrida só se faz efectivamente alguma coisa, e na mais absoluta responsabilidade, quando se faz o impossível, isto é, quando se faz algo que excede o domínio do possível ou do poder: do nosso próprio poder de poder e do poder em geral.
Foi o que fez, e uma vez mais, Florence Aubenas, a notável jornalista do Libération e co-autora de um destemido livro de crítica dos media, La fabrication de l'information [La Découverte], ao aceitar fazer para este jornal a cobertura noticiosa da tumultuosa situação pré-eleitoral de um Iraque em «guerra» - ou, e talvez mais precisamente, em «guerras», se à dita «guerra» com os Estados Unidos juntarmos as tantas outras, e não menos temíveis, «guerras» internas. E «guerra» entre aspas porque, como tão justamente nos lembra ainda Derrida, no léxico e no direito europeus o conceito de guerra significa sempre uma declaração de hostilidade de um Estado a outro Estado.
(...)
Do Afeganistão aos arredores de Paris (onde ao lado da Associação África fundou a «Universidade popular da Cidade dos 4000»), do dramático conflito na Argélia (onde, com o editor F. Gize (La Découverte), desempenhou um importante papel na revelação dos crimes cometidos pelos militares argelinos no decurso da dita «guerra suja») ao Iraque (leia-se nomeadamente, em www.liberation.fr, «Em Bagdad, o voto entre o boicote e a morte», Libération de 6 de Janeiro último), é a admirável ousadia deste sopro ético que marca a singularidade dos testemunhos jornalísticos de Florence Aubenas. (...)
E o impossível é também o que de há dezoito meses para cá faz Hussein al-Saâdi, o guia-intérprete de Florence Aubenas no Iraque, pai de quatro filhos pequenos, o mais novo dos quais com dois anos, ao colaborar in loco com o jornal Libération.
Ambos, Florence Aubenas e Hussein al-Saâdi, se encontram desaparecidos algures, no Iraque, desde a manhã do passado dia 5 de Janeiro. Desaparição que nos faz temer e tremer porque, e em primeiro lugar, ela compromete a sua vida e o seu bem estar, mas também porque ela compromete a vida desta outra concepção e prática do jornalismo. (...)
Acontece que Florence Aubenas é também membro do Parlamento Internacional de Escritores - em cuja revista, a Autodafé, colabora regularmente -, instituição que criou a Rede Internacional das Cidades-Refúgio destinada a oferecer asilo a escritores, intelectuais, sábios e jornalistas estrangeiros em perigo e obrigados ao exílio, porque perseguidos ou gravemente ameaçados no seu próprio país. Numa palavra e nas palavras de Derrida, uma Rede destinada a acolher «homens e mulheres capazes de trazer a um espaço público uma palavra que os novos poderes da telecomunicação tornam cada vez mais temíveis às polícias de todos os países, às forças de censura e de repressão, sejam elas estatais ou não, religiosas, políticas, económicas ou sociais.» (Cosmopolitas de todos os países, mais um esforço!, Minerva Coimbra, 2001, p. 20).(...)
Daí que, assinado por Christian Salmon, seu actual director, e subscrito por uma longa lista de intelectuais, artistas e escritores de todo o mundo (de onde, e não sem injustiça por falta de espaço, me permito salientar nomes como Adami, Adónis, Barghouti, E. Jelinek (Nobel 2004), W. Soyinka (Nobel 1986), A. Tabucchi, Bei Dão, E. Vila-Matas e C. K. Williams), o Parlamento Internacional de Escritores tenha lançado, a 9 de Janeiro último, um apelo a favor da libertação da jornalista e do seu intérprete árabe. Um apelo de que fervorosamente aqui nos fazemos porta-voz:
«
Embora nenhuma informação tenha até ao momento vindo confirmar a hipótese de rapto, fazemos questão de exprimir a nossa profunda inquietude e solidariedade para com Florence Aubenas, jornalista francesa do Libération, colaboradora da nossa revista Autodafé e que no Parlamento Internacional de Escritores temos como uma das nossas..»
Apreciamos o seu trabalho de jornalista e de grande repórter, a sua exigência intelectual e as suas qualidades de escrita: as suas reportagens dão conta de um mundo complexo, muitas vezes opaco e por vezes violento, sem partidarismo, com a única preocupação de dizer a verdade e de esclarecer a realidade.
Apelamos àqueles que a detêm em seu poder que restituam imediatamente a liberdade a Florence Aubenas e ao seu acompanhante Hussein Hanoun Al-Saâdi
(...)
Fernanda Bernardo
(Prof. Univ. e Representante por Coimbra do Parlamento Internacional Escritores)
Excerto do Apelo
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