05 março 2005

Thirteen september, nineteen sixty nine

Como num quadro do Museu d’Orsay um louco em Metro Station. A testa brilhante, o olhar vivo, um sorriso que apela à cumplicidade. Periodicamente gritava uma data de 69. Thirteen september, nineteen sixty nine. A data do seu nascimento? Do seu guru? Do último LP dos Beatles? E soltava uma gargalhada que podia passar por saudável. A rapariga do piercing mudou de lugar com o saco da Macy’s. O homem que lê tem mais medo de mim. Depois passa um preto numa cadeira de rodas apontando para uma perna petrificada. De entre todos os que se amontoam na plataforma, escolhe o louco, e diz-lhe várias frases em tom colérico. Quando ele recupera aproxima-se de mim trauteando Popeye the sailor man como se fosse uma senha. Quando chega o metro mostra-se ausente e ao último toque entra subitamente na carruagem, e com exuberância começa a cantar uma canção infantil. Vai sentado nos bancos detrás. De vez em quando deita olhares furtivos sem que se descortine o alvo. Tem uma camisola bonita sobre uma T-shirt azul. O cabelo bem cortado e a barba bem feita. Um grande saco de desporto nos joelhos que começa a abrir muito devagar.
(Que mulher veste este homem? Há muitos homens vestidos por mulheres e nem todos loucos, gritando uma data em Metro Station. Conheço alguns. Distinguem-se pelos olhos, o espanto com que olham as mulheres, a fala sussurrada, a inocência. Não reclamam quando são injustiçados. São modestos, poupados, diligentes.)
Agora mudou de lugar. Para a frente de um banco onde duas raparigas acariciam botas tão novas que têm ainda as etiquetas de marca. Parece incomodado com o ruído e volta-se com movimentos coreografados do pescoço, como uma ave. Agora esse esforço parece tê-lo esgotado e respira fundo, com grande sofrimento.
(Quem é este homem? Quem espera por ele em casa? Onde aprendeu estas canções de infância? Que criança foi ? Que esperanças tiveram nele os pais? Quando adoeceu?)
Saio na Union Station e começo a subir as escadas quando ouço os tiros.

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