15 abril 2005

Bros não volta

Bros não volta. Não devia ter falado assim dele. Nunca abriu o frigorífico de minha casa, na verdade nem sentia a sua presença. A sua fixação era com os livros e com o blog. Bros é um tipo sensível e magoei-o. Eu sei que isto é um jogo. Num jogo pode-se perder sem consequências, amar sem que custe a separação, até se pode morrer e continuar de boa saúde. Num jogo em que escolhemos os parceiros e as regras, ganhamos sempre. Mas não dá luta. Talvez tivesse sido por isso que reparei em Bros na Repartição e o convidei a tomar café. Depois não controlamos todas as variáveis, não é? Lembram-se de 2046? Ou era no Disponível para amar? Os amantes encenam a separação mas a dor dela é real. Enquanto o homem se afasta debaixo de uma chuva luminosa, a mão dela risca a pele e a carne do braço. Vi esta cena doze vezes, em câmara lenta, imagem a imagem, misturando lágrimas com as da mulher. E era cinema, ela uma actriz chinesa em meta- representação e eu um espectador doméstico de DVDs, a última das categorias do consumidor de sonhos. Isto é parecido com cinema. Mas então porque é que tenho saudades de Bostali Bros? Porque é que espero carta dele? Não devia ter sido orgulhoso. Quando me zanguei tinha um álibi. O que detestava nele era a minha imagem. O facto de ele me ter imitado a escrita tinha-a revelado, nos seus tics e repetições, nas obsessões, nos erros ortográficos e de sintaxe, na pretensão ideológica. Um dia o meu melhor inimigo, o meu inimigo secreto e desconhecido, um anónimo a quem fiz mal sem saber, a quem seguramente ofendi, escreveu aqui um comentário em que me retratava tão bem que estive duas horas a lamber a ferida narcísica. Ainda esperei por ele, odioso inimigo privado, mas não voltou. Bostali Bros e os seus textos foram um revelador do meu estilo enjoativo e final. Detestei-o a partir daí. Talvez também tenha pesado o relativo êxito do gajo. Um dia chamaram-me a atenção para, de cada vez que ele escrevia, o site-meter disparar. Tinha ciúmes dos comentários elogiosos que me eram dirigidos. O ciúme é um lenço que se fecha sobre os olhos e a garganta e que não paramos de apertar. Um destes dias escrevi uma coisa chamada O Arquivista. O meu tio H., que quando ouve blog fica oito dias mal disposto, telefonou: -Gostei. Quem é que escreveu aquilo? E o Bonirre: - O Bostali tem a nova password? Fizeste bem. Estava óptimo.

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