05 abril 2005

Carecas em Ubatuba

O que chama a atenção, ao fim de poucas horas, é o elevado número de homens de cabeça rapada. Cabeças de três dias, cabeças cuidadosamente escanhoadas, cabeças enceradas, luzidias. Em algumas horas nocturnas a cidade brilha, mais nos reflexos das cabeças dos seus habitantes do que nos seus encantos naturais. A maioria destes homens são jovens e não podemos deixar de associar o esmero do crânio ao relevo muscular dos braços, à saliência dos peitorais. No café livraria eram quase todos e pensei que afinal a tonsura radical era uma marca de interesse intelectual. Mas à medida que me aventurava pela cidade, percebia que a careca integral atravessava os grupos sociais, as raças e as etnias. A careca parece ser um salto para a frente, uma marca paradoxal de neotenia. Se a calvície ameaça onde ela começa, ocultemo-la com a sua exibição total. O couro alopécico de recém-nascido transforma os homens em gigantes microcéfalos. Um duplo sinal enganador que desperta, no inconsciente das mulheres o efeito testosterona e o efeito oxitocina. Ao lado dos cabeças rapadas há uma legião de figuras inclassificáveis. A uns chamarei enrugados. Disseram-me que são jovens que à primeira ameaça de ruga decidiram fazer um tratamento no colagéneo que promove instantaneamente uma cutis laxa. E há os homens tigres, tatuados com manchas senis. E os que ostentam o pin I de impotentes, que à primeira nega se cortaram. E parques inteiros de paraplégicos, cegos, surdos, todos completamente surdos e cegos e paraplégicos após a primeira falta de força, a primeira dioptria, a nota falhada. E todos bronzeados, imensamente sorridentes e amáveis, todos treinando nas academias de primeiro andar durante o princípio da noite para depois, em Ubatuba, enganarem os que têm medo de adormecer em Ubatuba.

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