12 junho 2005

Um Hamman em Istambul (Parte 2)


Os meus amigos da blogosfera têm escrito sobre a barafunda sedal dos balneários masculinos. A minha melhor experiência de balneário foi ambígua. Dizem-me que não a devia partilhar. Mas para que serve isto senão para falar dos balneários?

Vi a garganta de Loriga. Como Borges o Aleph. Como o doente no quarto do hospital, quando os sistemas de alerta se abandonam às primeiras horas da manhã, e a vida se retira, num travelling para trás, acelerado. Vi os covões sucessivos e os paredões musgosos, ora percorridos como se descesse, ora escalados sem esforço. Os pés não pousavam no granito, não se enredavam na turfa. Planava, elevava-me aos penhascos ou caía abruptamente nos barrancos. De vez em quando ouvia uma gargalhada, vozes que reconhecia. Sabia que estava no hamman da rua Koska, com uma toalha minúscula na mão e as costas inundadas de suor, na pedra quente, a pensar na garganta de Loriga, como se a relação entre os dois lugares fosse evidente. Sabia que as vozes familiares eram um engano. Mas não me importava. É assim que as crianças doentes ouvem as vozes dos pais, no corredor, em surdina, para eles não acordarem. Fecham os olhos, é muito agradável, algo no corpo anuncia a cura ou uma morte serena.
De repente fez-se silêncio e pela luz reconheci o Covão da Areia. Estava coberto de neve. Eu caminhava num grupo de mulheres e ia atrás e à frente sem deixar pegadas enquanto elas enterravam as pernas até aos joelhos. No topo do Covão, junto à descida, elas pararam, dispuseram-se em semicírculo aberto, para mijar. Mijam na neve. Estou de costas, ouço a toda a volta a neve desfazer-se, o doce degelo, como se ali fosse a nascente. Dissonante, algo me diz que devia ter mais gravitas, este meu Aleph. Mas não tenho outra coisa na cabeça. Ali, no balneário masculino da Turquia, vasodilatado até ao desfalecimento, rodeado de homens, alguns dos quais em provável erecção, não me vem à cabeça senão a imagem das minhas amigas em roda feliz, a mijar na neve.

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