11 junho 2005

Um Hamman em Istambul (parte I)



Os meus amigos da blogosfera têm escrito sobre a barafunda sedal dos balneários masculinos. A minha melhor experiência de balneário foi ambígua. Dizem-me que não a devia partilhar. Mas para que serve isto senão para falar dos balneários?

Mehmet Aga, o arquitecto do século XVIII que construiu a Mesquita Laleli foi também o autor de uns banhos de Istambul situados na rua Koska. Cheguei lá numa tarde de um Verão complacente. O ingresso era invulgarmente barato. Em troca de umas moedas davam uma chave, um par de chinelos, uma toalha. Com a chave acedia-se a um gabinete, disposto sobre o átrio de entrada como as frisas num teatro isabelino em torno ao palco. Sem conhecer bem o protocolo, imitei os outros frequentadores, que depois de se despirem desciam ao átrio de entrada antes de desaparecerem por uma porta central. Essa porta dava acesso a um espaço com várias fontes onde se começava a sentir calor e alguns frequentadores faziam abluções. Percebi que aquilo era só a preparação para qualquer coisa de mais interessante e continuei a atravessar portas até chegar a um espaço magnífico que tentarei descrever. Era circular, com a luz entrando generosa pelo tecto abobadado. No centro havia uma elevação, um largo pedestal circular, de mármore acinzentado, onde uma dezena de homens se deitava como os raios de um círculo. Esse pódio, elevado relativamente ao hipocausto, tinha uma temperatura inferior à do chão do recinto central, que queimava os pés. Em todo o lado se percebia que estávamos sobre uma enorme caldeira de águas agitadas. Junto aos muros havia várias capelas, separadas do espaço central por muretes. Escolhi uma e percebi que se destinavam a conversas mais reservadas e à aclimatação da pele e brônquios. Ninguém parecia interessado na minha presença,o que me pôs à vontade. Uma neblina quente envolvia discretamente os corpos dos homens. Eram quase todos morenos, excepto dois jovens de pele e cabelo claro que deambulavam como que procurando um lugar adequado na mesa central. Cansado de abluções, fui deitar-me ao lado deles, imitando o à vontade de um frequentador habitual. Nesse instante comecei a ouvir gritos. Não posso dizer que os gritos tenham tido início nesse momento. Seja como for, faziam até aí parte da luz estranha do lugar, do calor húmido infiltrado nos poros, da revelação sucessiva da arquitectura, do ruído das águas misturadas. Reparei que dois homens, a quem chamarei assistentes, prodigalizavam cuidados aos banhistas, cuja natureza não podia inteiramente compreender. A sequência era a seguinte: os banhistas eram esfregados vigorosamente com pedras ou panos ásperos, ensaboados ou massajados com óleos, chicoteados com ramos de oliveira. Depois os dois massagistas, que depois me disseram serem designados por kiyassas, promoviam flexões e estiramentos muito forçados das pequenas e médias articulações, o que desencadeava, nos utentes, gritos horríveis. Uivos de prazer e de dor, de surpresa e de júbilo, uma mistura dos berros guturais dos tenistas com os arrulhos das estrelas porno. Deitei um olhar furtivo ao parceiro do lado,
em decúbito supino como os restantes e que se preparava para ser intervencionado por um dos temíveis assistentes. Pareceu-me vislumbrar-lhe uma erecção. Lamentei não ter lido nada sobre o assunto. Seria essa a atitude esperada? Ou uma erecção, em sede de exclusão feminina, denunciaria uma falha na minha masculinidade?
Fiquei entregue a um torpor natural , criado pela humidade, o calor, a grandiosidade do cenário e a expectativa do que viria a suceder. Olhei os tetos, em tudo semelhantes aos das mesquitas mais elegantes, excepto no facto de não celebrarem a grandiosidade de Alá. Vi confusamente os azulejos. Quando o primeiro assistente se acercou de mim perguntou-me várias coisas incompreeensíveis, sucessivamente, e a todas devo ter respondido que sim. Aplicou-me um líquido espumoso que retirava de um balde. O Rude, escuro, de barba densa escanhoada e bigode aparado, o homem parecia a caricatura de um turco das cruzadas. As mãos eram no entanto de uma suavidade muito profissional. Puxou-me os dedos do pé até doerem, continuou a puxar até a dor desaparecer e me começar a sentir em lado nenhum e no centro do hamman da rua Ismaialat em Istambul. E a seguir a todas as articulações do corpo deu trato semelhante. Eu não sei se gritei se me calei.

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