24 julho 2005

Fim de semana em Haguenau


Em Strasbourg Lúcia encontrou Berthe. Ela trabalhava no Departamento das directivas Habitat e era da Suiça romande. Entre as duas nasceu uma forte amizade. Berthe convidou-a para um fim de semana na floresta de Haguenau . Tinham alugado uma casa de madeira nos terrenos pantanosos junto ao rio Sauer, rodeada de carvalhos e pinheiros silvestres. Deram um passeio pelos trilhos e ouviram o grito de uma ave que era o urogalo. Cruzaram-se com um velho que lhes contou a história da terrível praga dos carvalhos, dizimados pelo bombyx no começo do século XX. Anoiteceu cedo e elas cozinharam sopa de cebola e um pudim de arroz com molho de espinafres, na cozinha da casa, com as janelas abertas para o bosque. Demoraram imenso tempo a soltar uma a uma as folhas dos espinafres, a lavá-las à torneira num saco de rede, a passá-las aproveitando o suco para o creme. Iam rindo à medida que a refeição tomava forma. Não tinham passado nem futuro nem outra coisa que não fosse a alegria de estarem ali, a cozinhar e a rir. Lúcia feriu-se num dedo e Berthe pegou-lhe no pulso e chupou o sangue que se soltava. - A saliva é o melhor coagulante, disse Berthe. E o teu sangue sabe a cebola, também disse.
De noite Lúcia sonhou que estava num terraço sobre rochas de granito claro. Quando olhava com atenção via que as rochas eram sulcadas por inúmeros insectos de carapaças negras e castanhas, de vários tamanhos e enorme voracidade. Os maiores comiam os mais pequenos, encurralando-os nos buracos da rocha. Num canto do terraço, junto a um arbusto, tremia uma espécie de gafanhoto sem pernas, envolto nas malhas de uma aranha. Quando se aproximou percebeu que só restava o invólucro do bicho, a dura cutícula de queratina. Sonhou tudo isso sem angústia, porque sabia que não havia granitos na floresta de Haguenau .

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