28 agosto 2005

O mistério do piano man

Há uns meses a história correu mundo. O site da BBC teve de fechar tal foi o afluxo de mensagens. Numa das nossas televisões, um professor de suspensórios, daqueles que costuma apresentar os ranchos folclóricos da Golegã, deu uma entrevista dizendo que se recordava perfeitamente dele. Trabalhara aqui na construção e quisera a sorte que lhe tivesse pedido boleia. Apercebera-se logo do carácter excepcional do jovem. Depois foi o silêncio e agora um tablóide, o Daily Mirror, conta o fim da história. Como sucede todos os dias desde há quatro meses, uma enfermeira entrou no quarto e, com o que Ian McEwan chamaria o tom condescendente das enfermeiras perguntou: - Bom dia. Então é hoje que vamos falar? E o rapaz louro respondeu : - Sim. Tenho vinte anos, sou alemão.
Esta foi a versão inicial do jornal português que leio habitualmente. Mas na versão completa do Mirror ele teria respondido: - Sim. Tenho vinte anos, sou alemão e gay.Dir-se-ia que o público português não estava preparado para aceitar de uma só vez toda a verdade.
A seguir foi de novo o silêncio e notícias que parecem elaboradas por um débil mental para uma plateia de cretinos. Os concertos que ele tocava interminavelmente eram afinal o matraquear repetitivo da mesma tecla, a equipa do hospital psiquiátrico vai processá-lo por abuso de confiança, o estado inglês vai apresentar-lhe a factura, etc.
Mesmo tendo em conta a advertência de Pio Abreu na introdução ao livro Como tornar-se um doente mental, é difícil não concluir que chegámos ao grau zero da construção dos mitos. Nem sequer há já preocupação em assegurar a congruência das histórias relatadas, o seu acompanhamento mínimo. Reproduzem-se as notícias do Daily Mirror, sem as convenientes aspas. O piano man era bom de mais para ser verdade. E a saúde mental britânica? As equipas multidisciplinares? Os milhares de jornalistas que escreveram sobre o acontecimento?

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