22 setembro 2005

Sábado, de Ian McEwan



Sábado é o último livro de Ian McEwan. Passou dois anos com um neurocirurgião e os médicos de um hospital de Londres e criou uma personagem, Henry Perowne, casado com uma jornalista, com dois filhos talentosos e naquela altura da vida em que, insensivelmente, se começa a morrer. A acção inicia-se num sábado especial. O dia em que as ruas de Londres se encheram com a mega-manifestação contra a guerra do Iraque. Henry acorda eufórico de madrugada e da janela do seu apartamento, junto à torre dos correios, assiste ao despenhamento de um avião. Esse sinal, de um perigo que não chega a concretizar-se, vai atravessar o livro. O tema não podia ser mais actual: a ameaça pendente de um ataque terrorista já se concretizou, no metro de Londres.( A esse propósito McEwan escreveu numa crónica do Guardian: And we will face again that deal we must constantly make and remake with the state - how much power must we grant Leviathan, how much freedom will we be asked to trade for our security?) As várias posições sobre a Guerra passam no livro e na cabeça de Henry, como passa o dia e a manifestação engrossa, desfila, ocupa as ruas e os ecrãs de televisão e finalmente se dispersa.
Nesse sábado a família junta-se, e um acontecimento particular vai pô-la à prova.
Ian Mc Ewan é um excelente escritor, o trabalho de pesquisa junto dos médicos foi perfeito, a descrição das intervenções cirúrgicas é excelente. Todos gostaríamos, na infelicidade de uma patologia neurocirúrgica, poder encontrar um Henry Perowne. pela frente.
Há no livro momentos de grande mestria. Desde logo a longa cena inicial em que o médico acorda de madrugada e descreve, ao largo, o avião que se despenha e os seus próprios estados de alma, com a sabedoria de um neurobiólogo. A evocação da mãe quando jovem nadadora é das melhores página deste verão. A cena em que o dia atinge o seu clímax e toda a violência latente se materializa, igualmente.

Duas coisas me irritaram ao longo da leitura: uma é a obsessão fisicalista. A ideia de que um informado e inteligente investigador das neurociencias pode ver tudo assim, claramente iluminado pelo estado actual dos conhecimentos, a consciência tão imediatamente ligada à oscilação neuronal sincronizada a 40Hz, os neuromediadores sempre tão presentes, os deficits da mãe tão parecidos aos do livro, as transformações que sente tão bem explicadas pela fisiologia do envelhecimento.
A segunda coisa que me irrita não digo. Isto é ainda não disse a ninguém até agora. Houve alguém que descobriu logo. Mas não foi exactamente por esses motivos, Cristina.

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