Em Strasbourg
Passei três dias em Strasbourg com Lúcia. Três dias no fim do Verão, de sábado a segunda feira. No primeiro dia passeámos na cidade, não almoçámos porque não sentíamos fome, falámos pouco e não me lembro de sorrir. Não sabia o que tinha ido ali fazer, sentia-me a viver a vida de um homem estúpido como Heitor. Se alguma vez tinha sentido algum fascínio por Lúcia perdera-o na última hora de viagem, desconcentrado do meu objectivo pela proximidade da mulher japonesa. Enquanto a olhava, de madrugada, nos campos do norte da Bélgica que ainda pareciam martirizados pela guerra, veio-me à cabeça um pensamento absurdo: eu já amei esta mulher e ainda a amo. E demorei-me nas mãos dela, no queixo, numas sardas que tinha junto aos olhos. O facto dela me deixar olhá-la assim, enterneceu-me. Algures na minha vida eu amara esta mulher e depois abandonara-a. Talvez esta criança fosse minha filha. Talvez ela me procurasse pelas cidades da Europa de que lhe falara. Ou simplesmente fugisse de mim e da memória dos anos que passámos juntos, dos meses finais de desamor. Afinal não deixara de a amar, embora não devesse revelar-lho, para não a desiludir de novo. Talvez se lho dissesse ela saísse comigo, num destino antes de Strasbourg, para eu de novo a deixar, com a menina, algum tempo depois de dias atravessados por silêncio e hostilidade. Eu não tenho filhos. Não gosto de crianças. Nunca conheci nunca nenhuma mulher japonesa. Mas era verdadeiro o amor. E a culpa de ter deixado de corresponder à confiança desta mulher que se deixava olhar à luz da manhã e talvez se fingisse adormecida . Nenhuma mulher dorme um sono assim profundo debaixo do olhar de um homem que lhe percorre o rosto, as mãos, o colo.
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