19 outubro 2005

A partida de Lúcia

Quando o dr. L. encontrou Lúcia em Strasbourg não a reconheceu. Ele estava a fazer um estágio em Londres e meteu-se-lhe na cabeça que a tinha de conhecer. Dei-lhe a direcção sem que Alma tivesse autorizado. Eu estava proibido de escrever, ligar ou de qualquer outra forma contactar Alma. Ela tinha sido bem explícita na despedida. O dr. L. escreveu que me demorei a aperceber da partida de Alma. Que não foi bem ela a desaparecer, mas os telefonemas da tarde para os Correios, depois do encerramento. Que teria sido uma colega de Nelas a informar-me , quando finalmente me resolvi a procurá-la. Não é verdade e não foi isso que lhe contei. Naquela tarde ela ligou-me como habitualmente. Carinhosa, a voz calma. Falámos de nada e não combinámos coisa nenhuma. Não senti a angústia do costume antes de desligar. Só depois percebi que ela já nada esperava de mim. “Tens um mail”, foram as últimas palavras que lhe ouvi. Quando fui ler era Alma a despedir-se. Não me lembro de tudo. O meu mail, na estação, pode ser devassado e apago sempre as poucas coisas que recebo, quase só spams. Mas lembro-me da interdição: “Não quero que me ligues, mandes sms, nem de qualquer outra forma me contactes”. Li aquilo duas vezes, com uma mistura de alívio e desespero. Depois fiz delete, fechei a estação e fui para a esplanada do café Império, onde encontro os amigos antes do jantar, compro uma nata para a tia Graça e às vezes passa, apressado, o dr. L.

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