27 novembro 2005

O " Bilhete de Identidade" de Maria Filomena Mónica

O livro está muito bem escrito como quase tudo o que ela escreve. Maria Filomena Mónica é uma figura pública nos meios académicos e intelectuais o que justifica o relevo mediático que acompanhou o lançamento das memórias e que me parece adequado ao interesse dos temas. Os factos relatados ocorreram, na quase totalidade, há mais de trinta anos, e os mais relevantes há mais de cinquenta anos. No que diz respeito aos acontecimentos de Oxford datam do início dos anos setenta. Alguns dos professores referidos, Ayer, Hobsbawm, escreveram memórias em que falam de gente que teve alguma notoriedade, com cópia de pormenores superior à de “Bilhete de Identidade”. A narração é muito equilibrada. Não se vislumbra nenhuma tentativa de justificação, ajustes de contas ou auto elogio. Pelo contrário, quase sempre o tom adoptado é o de banalização de uma vida excepcional. E esse é um dos maiores elogios que se pode fazer a este livro de memórias. Uma menina que cresceu na redoma entediante das boas famílias e que não aceitou os seus desígnios porque queria viver a sua vida, descobriu sozinha o país, traçou os seu caminhos com independência. Trabalhou numa idade em que os colegas nada faziam, teve filhos e manteve com eles laços afectivos invejáveis, tratou os homens como iguais, teve opiniões, procurou compreender. Ficamos a saber mais sobre a geração que se formou no salazarismo e no marcelismo, que andou numa Universidade em que a Carta À Jovem Portuguesa era escândalo, tinha de procurar o médico certo para que lhe prescrevessem a pílula anti concepcional, viu o primeiro preservativo aos vinte e sete anos, escolheu o seu curso, graduou-se, questionou a religião, o poder paternal, o casamento. A narração da infância, da família, da adolescência vigiada é vigorosa . Quantos livros, romances ou ensaios, temos, que nos dêem assim a memória desses anos? O estilo é solto mas rigoroso, bem-humorado, comovedor sem ser lamechas. Só podemos admirar uma pessoa que foi fiel ao seu lema juvenil, “No coward soul is mine”. Num país de covardes, de coitadinhos, de invejosos, ressentidos, sempre prontos para atribuir aos outros os seus falhanços, esta mulher marca a diferença. Se o professor J.P. George, que sabe escrever e sabe ler, não percebe estas coisas elementares, aconselho-o a ler mais, a ler melhor. Não lhe ficava mal. Talvez tenha passado tempo demais a ler Margarida Rebelo Pinto. Não se pode ler tudo. Diminuir os medíocres não traz nada de novo. MFM não foi nem é medíocre. Não ficava mal a George reconhecer que está perante alguém que merece mais que um post automático. Oxalá a noite seja boa conselheira.

Conflito de interesses: Declaro não ser candidato a nenhuma bolsa de Sociologia nem frequentar as mercearias académicas.

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