17 novembro 2005

Sobre sobre Lúcia



O que o dr L. anda a escrever sobre Lúcia em Strasbourg envergonha-me. Talvez ele não tenha encontrado ninguém em Strasbourg. Talvez Lúcia tenha enviado uma amiga à Estação de Autocarros. As mulheres fazem coisas destas, já ouvi dizer. Também o dr. L. ia em meu lugar, eu sei, embora tenha insistido para que as coisas se fizessem com correcção. Lúcia aceitou a visita, mas mandou a amiga. Ou hesitou e a companheira de apartamento tomou o seu lugar. A minha Lúcia, a mulher que eu conheci, era uma mulher a sério. Não tinha táctica. Não sabia gerir silêncios. Talvez pensasse que não devia dizer tudo o que sentia. Mas dizia. Tinha uma divisa: Eu não tremerei face ao amor. Ouvi-a dizer isto, baixinho, no saguão da casa de Nelas, enquanto ao lado a mãe dormia. Fui eu que tremi. Nunca tive divisa. Nunca prometi nada a não ser cumprir com lealdade as tarefas que me são cometidas. Mas nunca me cometeram nenhuma tarefa transcendente. Apear os excedentários, pô-los na prateleira, retirar-lhes as funções que podiam exercer com algum brilho, eficácia e auto satisfação. Até se sentirem merda e aceitarem as propostas da administração. Sem raiva nem animosidade. Sem gabinete nem secretária. Sem computador nem solidariedades. Quebrados, como os presos depois de algum tempo de solidão e abandono. É o meu trabalho dos últimos anos. O trabalho que alguém teria de fazer para os Correios poderem prosseguir os seus altos desígnios. Calhou-me a mim. Não me calhou estar à altura do amor de Lúcia. Do amor total, sem reticências, nem cláusulas especiais. Era muito cedo. Ou tarde demais. Se ainda ao menos o tempo tivesse parado naquele saguão. Ou no ringue do palácio de gelo.

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