Strasbourg, o fim.
Ela não foi comigo à estação. Ficou sentada no sofá. Na rua, o saco de viagem desequilibrava-me e tive de pedir desculpa aos transeuntes que, por qualquer razão que me escapou, caminhavam todos em sentido contrário. Ela tinha-me dito: “- Vou ficar tranquila agora que partes.” Eu não disse nada. Concentrei-me no teto, nas linhas que confluíam para o canto da sala, que eram quatro, duas antes e duas mais abaixo do vértice, que dessa forma ficava oculto, embora, a prumo, dele se soltasse a linha de intersecção das paredes. Se ela se levantasse tê-la-ia abraçado e talvez ela se comovesse e estragasse aquele fim tão feliz. Se nos tivéssemos abraçado ia lembrar-me de Bresson. A figuração amorosa do par vertical fascinou-me desde que em Quatre nuits d’un rêveur um homem e uma mulher são assim filmados na cama, contra a convenção. Se me lembrasse de Bresson a separação poderia ser insuportável, já que a mão dela sempre pousara no meu pulso com leveza. Mas continuou sentada e percebi que devia sair sem mais palavras. Não me chamou. Se me chamou eu não ouvi. Que poderia dizer que eu não soubesse? Ia ao longo do Quai Finkwiller, ao balanço do saco de viagem, e não tinha ficado atrás nem era eu quem tropeçava.
(Robert Bresson, Quatre nuits d’un rêveur, 1971, reposto pela Cinemateca em 2001, baseado nas Noites Brancas de Dostoievski, 1848, Assírio e Alvim, 2002. Ver tb. António Rodrigues, Folhas da Cinemateca, 2001)
Este post assinala o fim do conjunto de posts sobre Lúcia.
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