19 março 2006

Serafim, não estejas assim





Convido os amigos para jantar
recebo-os de quimono de toile de coton
azul turquesa
assim eles percebam que não vêm às barricadas
nem aqui se sentarão em móveis
de gentleman and cabinet maker’s director
e se alguma coisa lhes posso prometer
é ikea à mistura com um biombo namban
para esquecer o pesadelo do chippendale.

(vejo o teu sorriso na fotografia)

o vinho que comprei com tanto esforço
está estragado
digo o nome para vosso aviso
tapada do chaves
mas talvez a culpa seja do continente
já me avisaram para não comprar vinhos
onde não os sabem conservar

(gosto do teu sorriso
mesmo que tenha existido um fotógrafo
e aliás tu sorrias para ele
vê-se nas lentes)


secretos não é prato que se ofereça
gorduroso
com o opróbrio do porco
e a inevitável ligação
ao islão
mas o sável
como se pode comer sável
depois do Ruy Belo e
antes das enxurradas

(agora todos os meus
amigos são fotógrafos
deve estar a passar-se alguma coisa
com a realidade
a realidade anda um pouco retraída
agora que os meus amigos são fotógrafos
nenhum fotografou o teu sorriso
mesmo neste jantar

havia o porco
o pão de ló seco
a cortina queimada
o vinho derramado na toalha
e o sangue no quimono azul turquesa
tantas coisas a distrair
os amigos fotógrafos
do teu sorriso)

o Serafim olha-me
como um discípulo
devo dizer qualquer coisa
que perdure
digo Serafim
e até os fotógrafos se aquietam
pode ser que os rapazes das barricadas
não tenham razão
pode ser que não valha a pena
levar um filho aos ombros
mas chippendale não rapaz
nem quinana
se te calhar uma cadeira Regência
de pata corta
senta-te no chão
e se o chão for de asfalto
lembra-te
(não é nada de original
mas eles não vão gostar)
que debaixo do asfalto
está a praia
e em cada grão de areia
brilha o nosso passado
e o nosso futuro

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