Camas
Durmo com a Isabel. Quase não durmo porque estar na cama contra a Isabel, cheirar-lhe o corpo, tocar-lhe no cabelo que é liso e preto, agarrar-lhe os braços, colar-me às suas costas, ocupa as minhas noites. A mamã diz que a Isabel rouba toalhas e lençóis e que vai mandá-la embora, para casa da irmã, na cidade. É mentira. São os cães que levam os lençóis. Vi-os no fundo do quintal a disputar os farrapos. Um dos cães tinha o focinho afilado e quando abria a boca via-lhe a dupla fieira de dentes afiados, que são a marca distintiva das ratas africanas, especializadas em devorar os gatos e rasgar as toalhas das famílias condenadas. Isabel dorme no meu quarto, na minha cama. No quarto ao lado esteve a minha avó, vinte anos acamada desde que Perón voltou e a Virgem Maria apareceu sobre um depósito de água de Rosário da Fronteira, a uma rapariga tão perturbada que nunca foi capaz de contar decentemente os pormenores da aparição. Agora a mamã expulsou o Gregório do quarto, alegando que ele largava a tinta do cabelo na almofada e que está calor demasiado para partilhar a cama e o vinho. Um dia a mamã vai deixar de se levantar e esse dia já chegou.
(La Ciénaga, Lucretia Martel, Argentina 2001))
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