22 maio 2006

Augusto M. Seabra na Relação do Porto



Augusto M. Seabra escreveu no Mil Folhas uma excelente crónica sobre o episódio da interdição da peça de Handke pelo homem de princípios que o estado francês colocou à frente da Comédie Française. Seabra refere a reacção de Handke à visão monocolor do drama dos Balcãs, distancia-se da comparência do escritor austríaco no funeral de Milosevic, mas reproduz o breve discurso que ele aí proferiu. E acaba por chamar censura à retirada da peça. Um texto pensado e que deixa pensar. A crónica foi escrita ao mesmo tempo que um juiz do Porto, de nome Carlos Coutinho, o condenava a pagar 240 dias de multa à razão de nove euros diários e ao pagamento de uma indemnização cível de 4.000 euros, por ter chamado energúmeno a Rui Rio, num momento em que este parecia espiritado pela obsessão de afastar Pedro Burmester da Casa da Música. Soube disto hoje. Estive numa zona do país governada por um possesso afável, onde, para ler qualquer jornal nacional, tinha de andar cerca de dezassete quilómetros. Ao saber hoje da notícia, o meu espírito não parou de redemoinhar em torno do significado desta condenação. Ignoro o quadro legal invocado pelo juiz para a proferir. Mas os comentários proferidos em torno da liberdade de expressão, e os cuidados recomendados à critica, elucidam-me sobre as competências linguísticas de Carlos Coutinho. Este fantástico corropio da minha consciência tornou-me, espero que temporariamente, num energúmeno. Devo agradecer ao possesso afável por manter os jornais que publicitam notícias destas afastados das vilegiaturas de recato. Gozei assim alguns dias de ignorância, naquele estado de beatitude em que todos ficaremos quando, no meio de um envergonhado silêncio, os energúmenos calarem os espíritos livres.

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