De Casamansa a Praga
A história tem vindo a ser contada por Juan Manuel Pardellas no El País. O rapaz era senegalês, de Casamansa, e tinha 22 anos. Trabalhava nos correios, em Dakar, e a família amealhara 1.500 euros, uma fortuna. Comprou bilhete de avião para a Cidade da Praia. Trezentos euros. E aí viveu três meses, numa casa que partilhava com 50 pessoas. Um homem, chamado Amadeu, conseguiu-lhe lugar no barco de um espanhol, que gere uma rede de imigração africana. O espanhol, um homem forte, de baixa estatura, meia-idade, moreno, faz-se passar por um mecânico das Canárias. Através de Amadeu e de outros cabo-verdianos recruta africanos para as Canárias. Na véspera do passado Natal, o barco, velho e que pretensamente sofrera umas reparações na Praia, estava pronto a largar, sobrelotado com 53 africanos, quase todos do Senegal, três nascidos na Guiné-Bissau. Cada um deles pagara 1.200 euros pela viagem. Alegando que o capitão viria em breve, o espanhol abandonou a embarcação. Cinco passageiros, desconfiados, voltaram para terra. Os restantes, iludindo a vigilância do porto, zarparam nessa mesma noite. No terceiro dia de navegação a lancha avariou-se e eles pediram socorro ao espanhol, com o qual mantinham contacto. Um barco de maiores dimensões aproximou-se e rebocou-os. Mas em lugar de rumar às Canárias, ou de voltar a Cabo Verde, internou-se no Atlântico e, ao apanhar as correntes do equador, cortou as amarras e afastou-se. Os homens ficaram à mercê da corrente, que os deslocou à velocidade de 500 metros por hora na direcção do litoral americano. Quatro meses depois o barco, “sem nome, mastros nem bandeira”, foi encontrado ao largo dos Barbados. No interior havia latas vazias de sumos de laranja e ananaz e de conservas de sardinha e tomate, documentos de 37 homens do Senegal, jovens, alguns deles com apenas 18 anos, roupa suja, notas de euros e dólares e 11 cadáveres, mumificados, que não puderam ser identificados.
O jornal tem uma foto do irmão de Malang, encontrado pelo jornalista. Está encostado a uma pedra, que podia ser a base de um padrão. Tem vestida uma T-shirt com a sombra de Kafka afastando-se numa Praga amarela, onde as ruas e os céus se confundem. Há quatrocentos anos, podia ser contada uma história como esta, com homens assim, um moreno espanhol, um Amadeu da cidade da Praia e homens do golfo da Guiné, falando mandinga, wolof e outras línguas locais.
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