Ariel
Durante sete anos, Justo Piglia, um talentoso escritor argentino, escreveu crónicas no Clarín sobre uma personagem a que chamou Ariel. Justo era um homem culto, da classe média, pouco dado a emoções, controlado, que se notabilizara com um conjunto de reportagens equilibradas durante a guerra das Malvinas. Ariel era um rapaz dos bairros populares de Buenos Aires, sem actividade fixa, que parecia partilhar com o seu criador apenas o gosto pelas mulheres, o tango e os licores. As crónicas de Ariel tiveram algum sucesso. Uma das características de Ariel era o fascínio pelas mulheres tatuadas. Numa das primeiras crónicas, Ariel declarava que a visão fugidia de uma pequena tatuagem no braço de uma mulher lhe fazia tremer o entendimento. Quando as cintas começaram a descer, Ariel escreveu duas semanas seguidas sobre as tatuagens simétricas da região lombar, o êxtase feliz com que as contemplava, o que lhe revelavam sobre o carácter, a história de vida das mulheres que as ostentavam. E escreveu sobre pulseiras nos tornozelos, ligas, sapatos de saltos e pontas penetrantes, pega-monstros e outras gelatinas, massajadeiras, copas que não escondiam a dureza dos mamilos. A certa altura, Justo fartou-se de Ariel. Percebeu que ele não tinha vida, era um títere que utilizava para dar recados ou libertar algum demónio interior mais desagradável. O Clarín e os leitores do Clarín estavam tão fartos de Ariel como Justo. Os anos tinham passado e havia muita gente a escrever, de si próprios, textos mais desesperados, provocantes, melancólicos, ou sem propósito. Ariel não ganhara músculo, pele, tesão para sobreviver. O director de Clarín reviu em alta a colaboração de Justo Piglia no suplemento cultural e desobrigou-o de Ariel. Mas Justo afeiçoara-se à criatura. Não se divertia. Quando deixou de sonhar com as tatuagens secretas percebeu, como o Rémy das Invasions Barbares, que o fim estava próximo. O médico proibiu-o de ler e de escrever. Não era preciso. Sobreviveu alguns anos a pintar.
(Mila Jovovich, Ernesto Sábato)
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