03 julho 2006

Cárcere de quarta-feira



Quarta-feira queria não ser daqui. Nunca combati à sombra desta bandeira. Não aprecio a combinação de cores, acho a esfera armilar uma coisa sinistra, um exagero simbólico. Nunca aconselharia os meus amigos a marchar, muito menos contra os canhões. Pago impostos, voto, digo mal dos governantes, se estou longe, tenho saudades do rio da minha aldeia. Mas falta-me o orgulho patriótico. Nem sequer a língua portuguesa é a minha pátria.
Acho que a selecção de futebol de Portugal é melhor do que Portugal. Gosto do Ricardo a ler nos olhos do Gerrard que ele vai falhar. Do Ricardo Carvalho. Do Maniche, tão confiante, livre do pesadelo moscovita. Gosto do Tiago, mas julgava que ia explodir e ele ficou parado. Gosto do Cristiano Ronaldo. Mas de quem gosto mais é do Deco. Não sei onde nasceu, cresceu, onde jogou, se tem irmãos, família, nem se leu Os Maias. Sei que é um trabalhador do Barcelona e que faz a diferença, quando joga.
Se ganharmos hei-de ficar contente, mas não feliz. Li algures (Nick Hornby?) relatos do que sentiram os ingleses quando a sua selecção ganhou o Mundial de 66 e lembro-me da euforia em França há oito anos, e de como eles se perceberam uma nação multiétnica, com os magrebinos e os negros das Antilhas. Depois veio a senhora Thatcher e as Malvinas, os livros a arder nas bibliotecas de França. As nações orgulhosas prosseguem o seu declínio, vergadas ao Centro, que nem sequer joga futebol de onze.
Quarta-feira é como o cárcere da existência. Não há maneira de nos libertarmos desse dia. Se perdermos hei-de partilhar a decepção dos que hoje acreditam que a nossa vida, tac, vai mudar, pelos pés de Figo ou as mãos de Ricardo.

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