02 agosto 2006

Isabel do Carmo e a guerra

Isabel do Carmo escreve no Público uma crónica sobre “as imagens de destruição do Líbano” com o título de “Vemos ouvimos e lemos” (indisponível para não assinantes).
A crónica não se distingue das que os antipatizantes de Israel têm vindo a escrever. “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”, terá dito a Sophia (eu não confirmo).
E o que leu IC? Leu Sebald. História Natural da Destruição, a memória dos bombardeamentos das cidades alemãs nos últimos dias da II Guerra Mundial. Nessa altura, no Reino Unido, o partido da bomba decidiu que iria utilizar o imenso potencial de armamento acumulado, para castigar o nazismo agonizante através da punição exemplar das suas grandes cidades. Como na invasão do Iraque, a grande e última explicação para o feito militar foi: temos os meios e os planos. Diz Sebald que o único local onde a missão foi debatida, foi o Parlamento britânico. A França, recentemente libertada, não estava em condições de o fazer. A União Soviética dirigia-se a Berlim para vingar os vinte milhões de mortos e desenhar o mapa do pós-guerra. E à América, como demonstraria mais tarde em Hiroxima, este tipo de punição não lhe desagradava. O bombardeamento das cidades alemãs obedeceu a uma estratégia deliberada de destruição, com vagas sucessivas de ataques que se completavam no afã destruidor. Só no bombardeamento de Dresden terão morrido dezenas de milhar de pessoas.
A selvajaria do ataque, a barbaridade do morticínio, não invalidam que na Segunda Guerra Mundial, os valores da democracia, da liberdade de expressão, do convívio entre povos e nações, da igualdade das raças e etnias, estivesse do lado dos britânicos. Condenamos os crimes cometidos pelos Aliados mas saudamos a sua vitória.
Ora o que alguma esquerda faz é acumular os relatos parciais da guerra do Líbano para não discutir a natureza da guerra, as suas causas e objectivos. Israel é o agressor. Um bombardeamento é um bombardeamento. A razão está sempre do lado dos bombardeados, mesmo que seja uma rampa de lançamentos de mísseis, um campo de treino de suicidas, uma estação de espionagem. Identificado o agressor, o resto vem por si. A opinião pública europeia, sensível às causas, exigirá a paz, o desarmamento, a reposição do estado anterior à guerra. Não se sabe como, porque, em nome do anti imperialismo, recusamos a presença de tropas nossas no teatro das guerras, o que significa que os Hezbolahs e os sírios, os iranianos e a miríade de movimentos radicais da área, ficarão com terreno livre para rearmarem os postos de onde um dia hão-de varrer o Estado agressor da face da terra.
IC leu Sebal e viu e ouviu. Mas nunca se ouve tudo. E infelizmente tendemos a ouvir o que nos agrada e justifica as nossas opções prévias, os nossos conceitos, as certezas que nos restam. Talvez se ela tivesse lido o Sebald de Os Emigrantes, o Sebald de Austerlitz a sua visão fosse mais alargada e hesitasse um pouco ao escrever uma frase como aquela a que o editor deu destaque: “Israel não esteve em sítio nenhum ou esteve vagamente há 2000 anos.”
No fim, mostrando-se muito bem informada sobre Israel, IC cita sete organizações de mulheres israelitas pela paz e lamenta a sua falta de visibilidade. Ficaria bem um lamento semelhante pelo silêncio do campo árabe moderado, laico, que se opõe à guerra santa e à guerra de civilizações.

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