Amnésia da paisagem
Em Colapso, um livro que é impossível ignorar, Jared Diamond chama “amnésia da paisagem” à incapacidade que demonstramos em apreciar a mudança quando ela ocorre lentamente, através de pequenas alterações graduais. A “amnésia da paisagem” impediu os maias e os anasazis, civilizações desaparecidas da Mesoamérica e da América do Norte, de perceberem que o seu clima estava mais seco. Devido às mudanças graduais, de ano a ano, esquecemo-nos de como era a paisagem de há cinquenta anos, conta Jared Diamond a propósito de um episódio da sua infância.
A “amnésia da paisagem” é, conjuntamente com “o dilema do prisioneiro”, a atracção pelo vencedor, a incapacidade de pensar a médio ou longo prazo, alguns dos factores que explicam porque não nos apercebemos do declínio da nossa civilização ou, quando o fazemos, não somos capazes de dar respostas que o contrariem.
Sucede o mesmo nas nossas vidas. A amnésia da paisagem não nos deixou perceber o desaparecimento dos barquilhos, das pichas, dos gelados Águia, das corridas de sacos e cadeiras articuladas, do jogo do prego, das três horas para a digestão, dos furos dos chocolates Regina, da bola Nívea, da bandeira aos quadrados, dos carrinhos de choque de vara eléctrica, do cabo de mar inimigo do topless. Nunca percebemos quando desapareceram os rochedos da maré vaza, os búzios e as estrelas do mar, o equinócio, os espanhóis de Badajoz, o barco salva vidas na fronteira da natação legal, as famílias dos lavradores invisíveis que, dizia-se, alugavam as casas em Outubro, já no fim das vindimas.
Hoje somos capazes de jurar que as águas foram sempre turvas, que sempre a espuma cinzenta percorreu o litoral, e as serras eram assim, loteadas por cima da cinza dos pinhais.
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