16 outubro 2006

Contra a simultaneidade


Jorge Faustino



No dia dos Correios devia ter escrito uma carta que começasse

espero que esta minha carta te vá encontrar

como começavam as cartas que os destinatários recebiam algum tempo depois de terem sido escritas, e não escondiam o temor da sua desactualização. No Congresso Europeu dos Correios não havia Caixa Postal. Muitos computadores, disputados por funcionários que liam os emeios, os jornais dos respectivos países, uma consulta de última hora a uma revista de referência. Mas nenhuma Caixa Postal, nenhum sítio onde se pudessem comprar envelopes, um selo, papel decente que não esborratasse.
Eu gosto do tempo que medeia entre uma coisa e o seu efeito. Nem sempre foi assim. Mas devemos aprender com os nossos erros, sobretudo quando lhes sobrevivemos. Hoje tenho horror à simultaneidade. Raramente percebemos as coisas ao mesmo tempo. Caminhamos sozinhos. De vez em quando uma subida íngreme junta dois caminhantes. Ou uma sombra recolhe um pequeno grupo. Ou a fome, o cansaço, um sinal quase apagado reúne alguns de nós. E então falamos do que interessa. A cobra debaixo da laje, o lagarto que atravessa o carreiro

Se te virares para o vento, tens à tua direita a depressão de onde virá a chuva
E rimos quando é altura de chorar, temos fome quando o outro está saciado, dói a um a virilha e a outro o joelho, dormimos desencontrados e já partimos já nos deixamos já caminhamos outra vez sozinhos.


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