O pó da manhã
(Jeff Wall)
De manhã entro nos Correios alinhado pelas baias do Amorim. Tropeço no lixo do Amorim. Escorrego na lama do Amorim. Sou insultado pelos engenheiros e capatazes do Amorim. Apanho nas ventas o pó do Amorim. Sucede o mesmo a uma mulher com quem cruzo. Isto dura há dois anos. Mais Tê zeros de luxo, mais lojas, mais carros, numa zona que, há dez anos, a Câmara interditou à expansão dos Correios, “por estar saturada de tráfego”. A mulher limpa o pó da cara. Eu digo-lhe:
-São os donos da cidade. Não adianta indignarmo-nos. Não há a quem protestar.
Ela olha-me com algum espanto. Depois percebe que partilhamos na cara e nos pulmões os detritos do Amorim e a marca dos vencidos:
- São os donos do mundo- disse ela.
Etiquetas: cidade
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