É o Escaparate
Candida Hoffer
Na primeira segunda feira de cada mês, no TAGV, tem lugar uma sessão de divulgação e crítica de livros que leva o nome de Escaparate. Junta Rui Bebiano (história, ensaio), António Apolinário Lourenço (ficção), Osvaldo Silvestre (ensaio) e Luís Quintais (antropologia, ciência popular). O Escaparate é, pela qualidade destes quatro professores da U.C., uma iniciativa ímpar na cidade. O lugar escolhido, o foyer do Gil Vicente, é aprazível e central (com o senão de, inexplicavelmente, o bar interromper o serviço de chás e cafés, uma opção pelo silêncio e uma reverência desadequadas, se tivermos em conta o tom das intervenções, bem disposto e distendido sem deixar de ser rigoroso). O horário de fim de tarde (18h) parece ser bem escolhido. No fim das sessões há um sorteio de livros.
Ao longo da meia dúzia de meses que o Escaparate já leva de vida, uma constante: o completo alheamento do público. Das Faculdades, das Escolas superiores privadas, dos Institutos, dos Secundários e dos Básicos, não vem ninguém. Nem professores, nem alunos, nem funcionários, nem arrumadores. Ninguém. Os frequentadores habituais do foyer do TAGV, gente de aspecto afluente, iPod e portátil da maçã, mostra uma olímpica indiferença pelo evento e abandona a sala quando acaba a fatia do bolo de chocolate. Quando em Lisboa se deu início a um evento semelhante, o nome escolhido foi o de " É a cultura, estúpido". Mas das vezes em que fui ao S. Luiz as mesas estavam cheias e havia gente de pé. São os rapazes e raparigas do TAGV quem volta a cara para os autores do Escaparate como o espanhol sacava da arma ao ouvir falar de cultura. Que incómodo, conversava-se tão bem e vêm agora estes chatos para aqui com estas coisas incompreensíveis!
Há anos, num espaço do Colégio de S. Jerónimo que dava pelo nome de D. Diniz, três das vozes mais fascinantes da poesia portuguesa juntaram-se para uma sessão de leitura e celebração de poesia (António Franco Alexandre, AlBerto e Helder Moura Pereira). O ruído de fundo do povo nas mesas era tal que os poetas desistiram.
A situação melhorou. Agora é o povo que abandona o recinto deixando os poetas sózinhos.
Osvaldo Silvestre abordou este tema na sua intervenção desta segunda-feira. A situação dos livros nos media atingiu um ponto de quase nula visibilidade. O DN, no seu processo acelerado de tabloidização, substituiu o 6ª por uma TV guia, sem qualquer satisfação aos leitores. O Ipsilão fundiu o Mil Folhas com espectáculos, uma fusão sempre em prejuízo dos livros.O espaço de crítica literária no Expresso rarefaz-se. É medonho o silêncio dos livros que ninguém lê, de quem ninguém fala, que não merecem referência, que não influenciarão ninguém. Osvaldo declarou com ênfase a sua "paixão positiva" pelos livros, esse "mecanismo antigo e sofisticado de suspensão do tempo" e a intenção de "não ceder à doxa medíocre dos cantores do capitalismo de hoje", de se entregar à celebração da leitura, ao poder mágico das máquinas que nos fazem "perder o tempo".
"A iliteracia atinge os directores de jornais, não permitiu nunca a formação de uma esfera pública impressa" e explica o fracasso relativo deste Escaparate. O inquérito aos hábitos de leitura que, entre outros, Rui Bebiano conduziu, fornece informações devastadoras e traça um quadro deprimente. Professores e alunos que lêem sebentas e apontamentos "da matéria", analfabetos para tudo o que não seja a TV guia e os manuais da sua área restrita de saberes, um não-público, a matéria de que se faz o jardim de infância do pronto a usar, pronto a votar, pronto a aceitar.
Etiquetas: actualidade editorial, iliteracia
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